sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

NOVAMENTE... NATAL...


Dezembro! Novamente as ruas se cobrem de brilho e... hipocrisia! Caminhando entre a massa, anônimo como me interessa, observo as manifestações que irrompem aqui e ali. Ainda não estou a procura daquele que irá saciar minha sede, mas sinto asco de tudo que observo. Mulheres, homens e crianças perambulando carregadas de embrulhos ou em pirraças insuportáveis...

Próximo a entrada de uma grande loja, vitrines ricamente decoradas com motivos da época, refreio minha caminhada permitindo que a ironia preencha o vazio de minha alma... será que ainda possuo uma? Minha morbidez não faz sucumbir minha indignação, a menos de cinco metros, ao lado da cintilante vitrine, um bando de crianças mal cheirosas e esfarrapadas disputa as migalhas que lhes atiram... neste momento me pergunto o que mesmo estão prestes a celebrar?

Minha mente abstrai perdendo-se em cenas menos hipócritas... houve um tempo, em alguns poucos lugares, envolvendo umas poucas pessoas, em que a data tinha um sentido louvável, uma razão de ser... mas já faz tanto tempo...

O ruído ensurdecedor das buzinas me traz de volta a realidade, não posso me dar ao luxo de distrair meus pensamentos, tenho que manter a atenção no vai e vem das pessoas... essa é mais uma ironia, eu que já fui temido por ter minha existência associada ao Inferno, que já fui respeitado pela coragem demonstrada em inúmeras batalhas, tenho que tomar cuidado com os marginais que dividem o espaço das ruas com pessoas de bem... de bem? Bom, isso depende do conceito que se utiliza para analisá-las.

As horas vão avançando e continuo minha caminhada sem destino; o crepúsculo se aproxima e sinto minha sede começar a me incomodar; neste momento não é ironia, mas melancolia o que sinto assomar meu ser... tantos se embebedando, se fartando de guloseimas enquanto outros são obrigados a se contentar com restos encontrados nas lixeiras ou mesmo nas sarjetas das ruas... minha sede se torna desprezível...

Mesmo que desejasse saciar minha necessidade, não encontraria fonte onde pudesse saciar-me... a maioria está tão preenchida por sua arrogância, por seu egoísmo que o sangue não possui apelo que me atraia; aqueles que possuem o sangue emanando o doce sabor da saciedade não me parecem ser adequados a se tornarem minha vítima...

Por que ainda me martirizo por me considerar um ser maldito!

A noite chegou e eu ainda não encontrei razão para atender ao apelo de minha sede; desde que a hipocrisia se instalou como veste preferida da maioria, fui obrigado a controlar minha necessidade; tenho que aguardar ou corro o risco de sorver o cálice sem lhe sentir o sabor saciante.

Algumas mulheres me lançam olhares repletos de desejos... não fazem idéia do quão pueril me parecem... poderia atender aos desejos mais recônditos... conceder-lhes prazeres que nem mesmo são capazes de imaginar... mas não é essa a necessidade que fustiga meu ser... minha ânsia é por uma taça menos glamourosa, mas mais vital... ao menos para mim.

Um sentimento desconfortável assoma minha mente quando me dou conta de onde me encontro; o estilo gótico é inconfundível; a catedral domina a paisagem, mas mesmo aqui a sombra da hipocrisia ofusca o brilho da simplicidade dAquele a quem deveriam estar celebrando o nascimento.

O coro proveniente das entranhas da catedral me força a uma nova digressão em direção ao passado; o cântico angelical já brotou de minha alma... o frio que castigava o local em que nasci não tirava o ânimo das meninas e dos meninos que se perfilavam diante da platéia atenta composta pelos familiares e amigos... eu assistia a tudo... a margem de tudo... talvez por isso eu possa avaliar o sentimento que habita o âmago dos deserdados de hoje...

A majestosa construção mantém suas portas abertas, mas a freqüência impede os necessitados de adentrarem seu portal... eu não me sinto intimidado pelo luxo dos presentes... quem poderia supor que alguém como eu não possui o menor receio de entrar em um lugar desse?... lendas... as lendas nos tornaram mais demoníacos do que realmente somos...

Não lamento as conseqüências das mentiras que foram, e ainda são, propaladas mundo a fora... na verdade não me importo com nada que seja externo ao meu existir... mas e quanto ao aniversariante?... mesmo quando eu ainda era como todos os outros, antes de ser osculado por minha maldição, a Verdade já tinha sucumbido ao lamaçal das mentiras criadas para justificar a ganância... a crueldade... o ódio...

Esta é uma lenda que não possui o menor senso de lucidez.

Não preciso manter minha atenção focada no rito professado pelo sacerdote, já o testemunhei tantas vezes que seria capaz de apresentá-lo com a mesma desenvoltura do homem que o faz no momento... mantenho-me atento aos presentes... na maioria esnobes querendo mostrar ostentação mais imponente do que a daquele que está ao seu lado...

Não sou nenhum juiz, também não sou injusto em minhas observações, entre tantos arrogantes encontro alguns que se mantém fiéis aos preceitos ditados por seus corações, mas mesmo entre eles existem alguns que se utilizam de máscaras para esconder o verdadeiro anseio que alimenta seus interesses...

Minha passagem pela catedral só serviu para aumentar minha indignação... a suntuosidade não habilita à sagração, pelo contrário, na maioria das vezes ela sepulta qualquer manifestação mais espontânea de se querer o bem... de se tornar digno da portar o símbolo da Vida... não a cruz da morte com a qual insistem em adornar seus templos.

E ainda afirmam que eu temo a visão deste símbolo infame...

Deixo o ambiente templário mergulhando na escuridão das ruas adjacentes, tudo se mostra tão imensuravelmente diferente que se poderia acreditar estar em qualquer outra época do ano. Aqui em meio as trevas noturnas não se nota o menor indício de festejos ou celebrações... a imundice domina soterrando as ilusões de que é época de Amor...

Cedo a minha indignação ignorando meu desejo de anonimato, ao aproximar-me de um grupo de esquecidos pelo mundo, sinto o fedor acre das substâncias que eliminam sem o menor senso de higiene... posso refutar os cheiros incômodos, mas não o faço... a pequena que chora ao lado de uma senhora raquítica e alienada olha-me com um rogo de piedade tão intenso que não posso ignorar... eu a estreito em meus braços, sinto o odor atraente do sangue que corre em suas veias, sei que ele não tem o vigor de um corpo mais viril, mas isso não invalida a atração que ele exerce sobre meus instintos.

De repente parece-me que estou diante do espectro de minha alma amaldiçoada... sinto como se meus próprios olhos me observassem da escuridão... a sensação é tão forte que ouço o riso sarcástico de uma entidade maligna me confrontando com minha natureza predadora.

Não! Eu não vou macular a alma desta pequena!

Eu me recuso a impingir-lhe um jugo tão pesado.

Mas o ser demente que me atormenta, a maldita fera que tento manter aprisionada em meu íntimo, sopra em meus ouvidos insinuações que convenceriam qualquer um de que sorver a seiva desta pequena criatura seria um favor, não um holocausto, uma ação ignóbil... extinguir o sofrimento que martiriza o corpo impedindo que a alma alce vôo aos paramos eternos...

Minhas mãos são como prensas prontas a fragmentar os frágeis ossos que tenho envoltos em meu abraço... minhas presas armas infalíveis prontas para romperem a diáfana carne que represa o sangue precioso... minha sede a mola propulsora, o gatilho que pode disparar, a qualquer momento, minha sanha de assassino.

A mulher me olha esperançosa... não sei se ela sabe o que sou, mas interpreto seu olhar como o rogo desesperado de quem já não consegue mais divisar a mais ínfima réstia de esperança... ela também deseja que eu me transforme no instrumento de misericórdia final... é triste testemunhar que muitos acreditam que a única misericórdia que lhes resta seja o beijo frio da morte... custa-me lembrar em que época estamos...

Não serei o instrumento de execução de uma sentença que não foi dada por mim...

Levanto-me num ímpeto... quero deixar tudo para trás e assumir minha maldita existência; elevar-me sobre os arranha-céus até localizar o maldito que saciará minha sede, cair sobre seu corpo vibrante e abandoná-lo jogado sobre o chão imundo de uma rua qualquer... mas não... não é esta a atitude que escolho...

Outra vez a irônica pergunta que me atormenta em momentos de reflexão... serei tão maldito assim?

Rebelando-me contra minha condição, seguro o corpo frágil com mais força, trago-o para junto de meu peito, estendo minha mão para a mulher convidando-a a segurá-la. Titubeante ela atende meu convite, olha-me incrédula, mas decide me acompanhar. Em seu íntimo ela imagina que eu não queira cumprir minha sina ali, no meio daquela imundice toda. Resignada, ela se aconchega mais permitindo que eu a enlace com facilidade.

Olhares indiscretos observam quando eu parto conduzindo ambas sem saberem para onde. Caminho com lentidão devido a fragilidade da mulher, mas mesmo que estivesse distante, seria capaz de ouvir os comentários que se elevaram na escuridão; as lendas se mostram mais vivas... as mentiras mais reais do que a verdade, mas isso não me importa...

Não é um sacerdote... um homem de bem... um “bom velhinho vestido de vermelho”... um assistente social... um servidor publico... não... nesta noite fria e triste de natal quem acolhe e recolhe duas almas perdidas sou eu... um amaldiçoado... um ser sem alma... um vampiro...

Um comentário:

Simone MartinS2 disse...

Bom dia!
Passando para agradecer
sua Amizade durante 2012
e desejar que continuemos
juntos por muitos anos mais...
FELIZ NATAL! Que DEUS ilumine
teu Lar e traga bençãos de
renovação para todos de teu
convivio...Até Breve!