sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Fio da Navalha




Subiram a escada com a verdade na mão, ela pingava sangue, eles gotejavam medo, a verdade jorrava sereno. No fundo nada havia para contar porque tudo estava exposto no clarão dos assassinos que exigiam o extermínio.
Há sempre um filho da puta com sede do sangue de um inocente e há sempre um inocente com medo da sede de um filho da puta.
Mas já não era suficiente para os assassinos beber a seiva dos inocentes e nem a dor de seus companheiros e eles passaram a se mutilar, arrancar com uma espécie de êxtase infantil e felicidade dócil seu próprio sangue, coletar uma quantidade suficiente para satisfazer seus desejos imediatos e injetar em seus próprios corpos. Primeiramente cada um contentava-se em alimentar-se de si mesmo, mas aos poucos como numa espécie de jogo,de troca,de doação,passaram a experimentar o sangue do outro, a misturar pequenas quantidades de sangues de vários seres e assim coletar uma grande quantidade e desta forma experimentaram uma espécie de amor sensual e alegria com um toque de sensualidade. Sentiam-se puros e livres, despreocupados porque a aids não existia naquela estranha dimensão.
Os inocentes, viciados em serem invadidos, sentiram-se abandonados, magoados, usados e depois jogados fora.Como dói e enraivece ser descartável, como um copinho de café amargo...
Eles então se revoltaram e viraram o jogo, fabricaram suntuosas navalhas douradas e se transformaram nos mais insanos e temidos criminosos.
Assim nasceu: “A Falange da Navalha Dourada” , subversão máxima da sociedade e do crime dos desesperados, espécie de vampirismo dos mal-amados...abandonados como cães para quem a casa ficou pequena...Mas o sangue acabou de tanto ser sugado.
Então uma terrível abstinência passou a tomar conta dos vampiros da Falange e eles passaram a alucinar coletivamente deusas degoladas, com o pescoço pendendo de lado com seios que raivam feito um sol ensangüentado e escutavam vozes dizendo: “ amor miraculoso...que mora na eterna seiva que é negada ao lobo raivoso....voa...voa....cai...cai...morra no eclipse...no sangue das rosas...e me decifre...sou eu o desalento...a negação.........o desmaio da musa do vento.....a esfinge da traição ” .
Mergulhados no delírio, os ainda inocentes pouco agüentaram, venderam a alma ao Diabo em troca de asas e na posse destas voaram até a Via Láctea e beberam a lua, o sol, os planetas, os cometas e tudo mais que viram pela frente e presentearam a plenitude com o vazio que ilumina a navalha de cada de cada desesperado marginal. E cada cicatriz de uma vitima é como uma flor que nasce num campo morto e traz esperança!?! Porque leva uma verdade, uma mensagem de um desespero de um alguém no corpo do outro como um rascunho da biografia de um outro,é como uma medalha de honra! Como a música que um surdo ouviu por milagre, um pequeno compasso e pulou de alegria e dançou, expressou o êxtase dos acontecimentos únicos e recebeu em troca o diagnóstico de loucura em um hospício de verdades caladas e bocas tapadas...de seres singulares que pintavam mundos e arco íris no ar e não foram compreendidos e receberam punição como aquela da professora má de ajoelhar no milho,porradas da vida e de enfermeiros estúpidos e trancados em si próprios,devorados pela raiva e pelos ditames do universo arcaico e químico da psiquiatria, a Dama Rotulistica do carnaval da Psicopatologia.
Neste mesmo hospício foram internados todos os membros da “Falange da Navalha Dourada”, após voltarem de sua expedição espacial e, aliás, tinham uma grande afeição pelo rapaz surdo.
Certa noite, também sugada, também abandonada e revoltada, a Estrela mãe ordenou que todos os internos arrancassem seus ridículos uniformes cinzas,símbolos de sua exclusão, e dançassem uma dança macabra e que assassinassem os funcionários, picotassem seus corpos e com eles fizessem um delicioso banquete em homenagem a dor e as coisas que valem a pena.
No final haviam esculturas magníficas de ossos: anjos de crânio e pés, sereias de costelas, medusas de colunas,torres de seios,estrelas de mãos....e pequenas crianças surgiram cantando “Finalmente o amor miraculoso chegou” e incendiaram o local.
Os mágicos considerados loucos morreram queimados e tiveram suas almas libertadas e viraram estrelas e talvez se algum de nós tiver muita sorte elas poderão brilhar em nossas encruzilhadas, nos farão dançar e nos libertarão com a magia que abrasa e nos envolver eternamente nas mantas do amor miraculoso, completamente descontrolado...louco.

(imagem:a vampira, Munch)

3 comentários:

MPadilha disse...

Loucura, insanidade, necrofilia, maldição e medo regados a súbita revolta de inocentes?
Isso tudo você encontra no conto. Gostei

Anônimo disse...

É um texto complexo e ao mesmo tempo riquíssimo em detalhes. Não resisti e li 2 vezes...fantástico! Parabéns.

medusa que costura insanidades disse...

agradeço as damas!