terça-feira, 20 de maio de 2008

A Última Igreja


por Pedro Faria
O homem que apenas aparentava ser um ancião rezava na igreja em ruínas. Estava na primeira fileira, próximo do altar, quase todo destruído pelos bombardeios.
Seu nome era Jovar, e ele ouviu o segundo homem entrar pelo arco destruído, apesar de não reagir de forma alguma.
- Então é aqui que você se esconde! Triste visão que eu tenho do meu soberano!
O tom do visitante era obviamente sarcástico, e alegre. Ele tinha acabado de participar de um massacre. E era isso que o alegrava tanto.
- O que é que estou vendo? O senhor, rezando? Irônico, não acha? É como um mecânico com um carro quebrado não sabendo o que fazer. È engraçado.
O homem rezando o ignorou.
- O que, não vai falar nada? Não vai dizer coisas do tipo: “Isso não ficará assim!”, ou “Isso ainda não terminou!”? Você é patético.
O ancião se levantou, mas não se virou para encarar o visitante.
- Eu não preciso dizer nada, Lucius. O tempo revelará o certo e o errado.
O visitante, o homem chamado Lucius, que na Terra usava calças pretas e uma capa vermelha sobre o peito desnudo, riu com gosto.
- Essa é sua resposta, meu Senhor? Eu não acredito. Você criou esse planeta, pegou alguns de nossos melhores cidadãos para habitá-lo, viu-os crescer e multiplicar, orar e vigiar. Eras se passaram, o planeta declinava, mas você insistia no seu povo mestiço, nos seus “seres humanos”, e muitos deles nem acreditavam que você existisse. Você pegou seu filho, um dos grandes príncipes do nosso planeta, e o enviou aqui, numa forma humana patética, para morrer! Como posso eu estar errado, ao reunir um exército para destruir esse criadouro inútil que você criara, como uma fazenda de formigas para o divertimento de seu Criador?
Jovar continuou parado em pé, olhando para o crucifixo na parede. Realmente fora uma decisão difícil mandar seu filho para morrer. Ele sabia que as almas que habitavam a Terra não mereciam, mas ele ainda acreditava. Ele acreditava em sua missão. Ele acreditava que mandar as almas menos evoluídas de seu planeta para aprenderem na Terra, para crescerem e evoluírem, era a coisa certa.
Porém, ele viu seu planeta ser arrasado por seus inimigos, como profetas previram. Ele tentara incutir algum senso de justiça, de amor, de paz, nos corações dos seres escuros que chamavam a si mesmos de raça humana, que ele mandara para a Terra, mas, no final, talvez Lucius estivesse certo, e alguns seres não merecessem piedade dos mais iluminados. Talvez, ele errara.
Lucius começou a se aproximar de seu líder, sorrindo, cheio de orgulho. Ele reunira alguns dos seres mais baixos do Universo, de planetas piores ainda do que a Terra, e os enviara para esse planeta, à qual ele se opora desde sua criação, para destruí-lo.
- Eu não sei nem como você aguenta ficar nesse planeta imundo. Essa carne me cercando me enoja. Eu me sinto fraco, vulnerável. Como você aguenta, meu soberano, eu lhe pergunto?
Jovar continuou de pé, olhando para a carne de seu filho, cuja forma natural fora erradicada do Universo como consequência de seu sacrifício.
- Não irá dizer nada? Olha só para você: Vem para cá apenas para observar a queda de seu pequeno experimento científico, e ainda por cima numa forma fraca, mesmo para um ser humano. Eu quero que você me diga uma coisa, sinceramente: Valeu a pena? Serviu para alguma coisa matar seu filho, gastar anos e energia, apenas para tentar mostrar que os pequenos podem algum dia serem grandes? Hã? Valeu a pena, ver seu trabalho arrasado por criaturas que nem entendiam o que estavam fazendo, que valorizavam apenas a destruição de tudo o que viam pela frente?
Jovar manteve seu silêncio.
- Nada, não é? Claro, pois você sabe que estava errado, só não quer admitir. Diga! Diga em voz alta que você errou, que você não é perfeito, que você não merece ser adorado por ninguém, e que você não merece ser nosso rei! Diga, o que eu, e todos nós de nosso reino já sabíamos! Diga! Diga que você se arrependeu dessa abominação chamada Terra, e que você, se pudesse, não a criaria! Diga, homem!
O ancião, conhecido na Terra como Deus, Alá, Krishna, além de infinitos outros nomes, virou-se para seu visitante lentamente.
- Mas eu não me arrependo. Eu não estava errado. Você só vê as coisas pelo seu prisma de ódio e inveja, de obstinação e escuridão. Eu faria tudo de novo, sim. E é o que eu farei.
Da traseira de sua calça jeans velha e rasgada, o Criador puxou uma pistola e abriu um buraco na testa do rebelde que um dia integrara seu Conselho. Um filete cinzento começou a sair do buraco, mas Jovar, com um sopro, o dissipou, lançando para todos os cantos do espaço aquilo que um dia fora um dos Príncipes do Universo.
- Você estava certo, Lucius. Somos muito vulneráveis aqui na Terra.
Ele olhou para fora da Igreja, para as ruínas de sua maior Criação. Podia refazê-la. Ele tinha certeza que sim.
Andou para fora, para a direção da destruição. Teria um enorme trabalho pela frente.
Ele o encararia com prazer.

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