quinta-feira, 17 de julho de 2008

11


Acontecia de vez em quando, pensar que eu deveria me lembrar dela. Da maneira saudosa de todos os outros ao se referirem às suas mães. Isso só durava até que algum ruído me chamasse à atenção. Não havia nenhum trauma de consciência e as coisas retornavam aos seus lugares, na escala de suas importâncias, sozinhas, e a vida continuava acontecendo naturalmente.
Madalena mãe e Catarina tia, que não pretendeu ser mãe, me lembrando com freqüência, mas sem deixar faltar sopa e pão. Eu podia retornar sem esforço, pelas lembranças, aos oito anos. O dia da pescaria, a cor dos peixes balançando na transparência da água. Dela não. Desapareceu. Lembro de ter ouvido furtivamente, aos onze, pela primeira vez, os comentários da professora, sobre choques que algumas pessoas sofrem, explicando para alguém que eu me recusava a resgatar momentos muito difíceis. Pura bobagem, simplesmente não existia e não me parecia assunto suficientemente interessante para cativar a minha mente. Prendia-me, sim, por longo tempo, as supostas razões que levaram o povo de um passado distante, a dedicar dezenas de anos de suas vidas à construção dos muros de pedras ao longo das laterais da estrada, que levava até aquele lugar. Não dava pra saber muito bem qual era o lado de dentro, o protegido, pois se a única coisa que havia eram mais pedras e alguns tufos de mato baixo, insignificantemente bem guardados.
Eram duas a lidar com os pães, depois só a tia, que não alterou nada. A cadeira atrás da gaveta do dinheiro, sempre na posição alta, assim dava para ver a estrada por cima da renda que ornava o vidro da vitrine de pães. Tudo estava ao alcance da mão, uma praticidade desnecessária ao ritmo do lugar. Planejado em cada detalhe, com inteligência de quem ama, disposto fácil a quem vai ficar. Não me importava por não lembrar do seu rosto, mas mesmo não intencionado, sabia dela, do seu jeito preparado de quem sabe da ida, bem antes.
A professora sempre volta a falar sobre ela, conversando com uma outra mãe qualquer, me olha pelos cantos dos olhos, estranhando a minha indiferença, mas não soube explicar o porque dos muros de pedras ao longo da estrada.
Ocorre-me num pensamento frouxo, de que talvez ela também não possa mais se lembrar. Penso um pouco em tudo branco, perto de uma inteligência igual à dela e talvez assim, ela também possa sentir como eu, que mesmo incompreensível, está tudo no lugar certo. Como aqueles muros da beira da estrada, que não é preciso transpor, para se saber que não há nada lá.

2 comentários:

MPadilha disse...

engraçado, era outro ou eu tomei todas ontém e delirei,rss
mas igualmente belo...
sendo de quem é só podia ser maravilhoso mesmo...beijos

Raiblue disse...

Meu lindo R....

"Se o número 10 compreende a totalidade da Criação de Deus, representando o Universo propriamente dito, aquilo que vier imediatamente após este número estará fora do Plano Divino, além da Vontade que tudo rege. Neste caso, o 11 aparece como sendo o ser humano integral e não mais como simples servo de Deus. Ele surgirá na forma de "algo" que excedeu os limites da Criação, que saiu do Paraíso perfeito e que agora caminha por vontade própria."

Pois então,está tudo mesmo no lugar certinho...aos 11 aninhos,ele já sabia..que tudo é como é e está onde deve estar...naturalmente...não precisamos lembrar...visto que tudo está naturalmente dentro de nós...fora ou além do muro das estradas não há nada...o mesmo acontece conosco...

Ler você,R...é pura emoção...é um momento de celebração ...êxtase...me sinto levitar...de verdade...
Parabéns e parabéns!!!
E muito obrigada por este instante mágico...

Um beijo de anis...o de sempre...de antes...de dentro...
com muito carinho...
Blue