domingo, 17 de agosto de 2008

Encontro Marcado


Minas Gerais de tantas outras vindas, sempre buscando a mesma paz, a paz que se assenta por entre as suas montanhas eternas, alheias ao civilizado que veio, alheias ao bárbaro que se foi.

Bem...Talvez o bárbaro nem tenha ido!

_Não senhor, é meu mesmo, devo ter perdido a metade, ta aqui a marca, bem no meio das minhas costas._ Foi o que tive de responder por inúmeras vezes. Estranho, sem documentos, todo rasgado e esfarrapado até os ossos, onde ela conseguir acertar em cheio. É a desconfiança, comum numa cidade pequena, diante do fato inusitado que terminei por me tornar. A visão dos meus pedaços tentando me defender, suspeito de ser autor de alguma atrocidade, tanto sangue que encharcou os trapos pendurados pelo meu corpo. Réu, vítima ou testemunha? É o que querem saber. O que sobrou de mim não prova nada, se nem eu sei o que aconteceu. Ainda tem quem não olhe para a lua, misteriosa que se coloca no céu por esses dias.
Não bastasse a dor, todo mundo falando ao mesmo tempo, querendo saber onde estava quem imaginavam que eu tivesse atacado, agredido. Eu tentei de todos os modos, falei dos poemas, mensagens, depoimentos. Fui criando confiança, até que por fim resolvi, queria conhecê-la pessoalmente. Era um mistério que corroia as mentes de todos que a conheciam, sempre oculta no seu negro. Ela conhece os dois lados, disso eu tenho certeza agora. Brinquei com coisa feita, sem prestar atenção à lua. Simplesmente me pareceu uma boa idéia, mais um passeio, uma cidade nova, então vim.
Boca da noite, já podia ver as luzes, despontado lá adiante na estrada, até me tranqüilizei. Quando cabe tudo dentro do amplo que a visão abrange, normalmente é lugar de paz, gente camarada, hospitaleira. No claro do resto do dia que ficava para trás, estudava o papel onde tinha anotado suas indicações. O rio à direita, quando já estivesse entrando no urbano, na Antonio Mariosa, que eu prestasse mais atenção. Ele entraria na Gonçalo Coelho por uma rotatória, essa era bem curtinha e já pegava a outra à direita, vi no meu desenho e assim foi. Levino Ribeiro do Couto, depois Vicente Simões. Segui a orientação que ela havia me passado e pedi par descer o mais perto do campo possível, na curva grande. Eu deveria entrar por uma das ruazinhas à esquerda e pegar a próxima avenida, pra lado direito. Disse que seguisse por ela por alguns quarteirões. Depois de constatar o tamanho da cidade, me tranqüilizei, se errasse seria fácil me localizar novamente.
O Motorista parou ali, esperou que eu recolhesse minha pequena mochila no bagageiro do teto e, desci. Alberto Barros cobra, alguns quarteirões a mais e finalmente o mistério seria desvendado. Estaria em sua casa e tomaríamos umas boas para comemorar. Convenceu-me de que o seu, era o melhor coquetel da região, o mais famoso, podia até perguntar para qualquer um na cidade. Caminhei com o papel na mão, dando uma espiada no nome da sua rua, para não deixar passar. Rua Amalba da Silva e, finalmente. Vim juntando cede pra aproveitar melhor a sua companhia. Segui o muro grande e entrei no final dele, na mesma calçada. Comendador José Garcia.
Que engano seria esse. Fazer-me vir até aqui só para se divertir com a minha cara! Foi o que me veio à cabeça num primeiro instante. Eu não posso ter anotado errado, prestei muita atenção. No número que ela me deu tem um cemitério, mais nada. Enquanto fiquei de pé, pasmado em frente ao portão do cemitério, tentando entender, comecei a ouvir um psiu, um chamado lá de dentro. Vi um vulto acenando de lá, incógnito na escuridão. Ah! Claro! Agora sim fez sentido, é o seu estilo, cheia de armações! Fui entrando sem me preocupar com a noite, afinal o que poderia me acontecer tendo-a como minha anfitriã? Ela não saia por inteiro de trás de um mármore preto, só uma olhadela pra confirmar a minha aproximação. Faltando uns três metros, me avança o infeliz de um cachorro peçonhento, com cheiro de inferno. Foi puxado pela guia e eu me divertia muito, imaginando o que teria planejado. Estava toda de negro, maliciosa, quente, ansiosa, foi o que pensei. Acho que a cor dos olhos coincidiam, nem sei mais.
Quando esperava um abraço grudado, cheio de assanhamento, ela arrancou o pano preto do rosto, puxando-o por baixo, pelo queixo, meu senhor! O que estava acontecendo? Nunca vi tantos dentes juntos numa mesma boca, nem em dois lobos juntos daria pra contar tudo aquilo. Espumava, grunhia e me apanhou pelo braço, enquanto isso, o cachorro do demo agarrou a perna da minha calça, puxando e rosnando também, para me tirar o equilíbrio. Eu nunca me debati tanto, acho que até molhei as calças, de tanto medo. Numa revirada que eu dei, ela me abocanhou o ombro, queria o meu pescoço, mas, eu ainda achava forças pra tentar escapar. Com a dor aguda dos dentes cravados em minhas costas, dei um tranco pra frente e com o levantar brusco da cabeça é que a vi, estava lá de plantão, redonda, gigante, maior do que a cidade inteira, a lua patrocinando aquela coisa grotesca, seja lá o que for aquilo. Quando o peçonhento conseguiu me tirar de vez o equilíbrio, me vi com um pé livre e ainda tive reflexo para acertar-lhe um chute bem no meio do focinho. Nem sabia que podia chutar tão forte, o infeliz ganiu e se afastou por um segundo. Aproveitei e me sacolejei o mais que pude, pra tentar me desvencilhar dela, nem que perdesse toda a pele das costas. Ao perceber que o cachorro tinha largado a minha perna, atarracou a minha garganta com as unhas, nem sei como não me arrancou fora a jugular.
Numa última tentativa desesperada, com o que me restava de forças, dei-lhe um empurrão por sobre a sepultura e consegui me soltar. Saí correndo por onde deu, cemitério adentro, do lado que o cachorro não estava. Numa mistura de corrida manca, com tombos e esbarrões, fui pulando por cima dos túmulos, pisoteando canteiros, quebrando vasos, ouvindo seus passos e o fungado da sua respiração quente em minha nuca. Corre infeliz, hoje é o seu fim. No final de uma alameda, o muro escuro e alto, nem calculei se daria. Quando me dei conta, já estava do outro lado, na rua. Sem olhar para trás, continuei correndo sem direção, nem sabia mais onde estava. Foi quando, ao dobrar uma esquina, dei de cara com a viatura, foi um alívio gigantesco sentir as coronhadas, enquanto gritavam para que eu me ditasse no chão. O meu sangue escorrendo sarjeta abaixo e o bem estar recuperando o meu fôlego, por ter saído vivo de lá.
_ Foi o que eu disse para o outro policial meu senhor, o sangue é meu, não agredi ninguém e não sei o que era aquilo lá dentro, só sei que ela se diz Morte, Me Morte! Me Morrrte!

Ociné

4 comentários:

MPadilha disse...

Essa foi muito boa! Caraca! Minha Santa Madalena das Piriquitas! Eu já fui chamada de tudo, vampira, dona morte, defunta, puta das trevas, mas lobismulher nunca!
O diogo leu também e adorou a história! Só ele sabe se é verídica tua história da minha identidade secreta ou não, rssss
René, só podia ser vc. Deve ter pesquisado no google não é? Tem ruas que realmente são conhecidas minhas e a Com. José Garcia realmente é a rua do Cemitério, rss
Valeu pela homenagem querido, vc é muito totoso, eu jamais devoraria vc sem antes tirar uma casquinha, kkkkkk
Beijos

ociné disse...

Legal ME!
Brincadeirinha.
Sua cidade parece ser bem simpática mesmo, quem sabe um dia, na minguante ou nova.
Obrigado
Beijo, beijo

Raiblue disse...

René,meu lindo,essa foi demais!!

Muito bom!!
Um suspense super divertido!!
É incrível a força de sua narrativa,ao mesmo tempo, tem uma delicadeza que é sua marca,sem dúvida...adorei!

Mais uma versão para Me Morte...desde o comecinho desconfiei,quando você falou das vestes pretas...mas foi só uma eve desconfiança,nada que tirasse a
surpresa do final...

Parabéns,meu lindo!
Adoro te ler... é sempre prazeroso...

beijinhos com gostinho de anis...que é o gostinho desse domingo agora...

com carinho
Blue

ociné disse...

Valeu Rai!

Você ter ler algo que eu tenha escrito,
já deu sentido em tê-lo feito, se gostou então,
tive todo o sucesso que poderia esperar.

Sua visita é muito especial,
sua opinião, a do mestre.

Grande beijo azul
Obrigado