domingo, 1 de março de 2009

Há males que vem para o bem...





-Quanto tempo faz que a gente se conhece? Dez anos?

-Não desconverse, muito mais, acho que uns dezoito, se contar o tempo em que éramos vizinhos lá no Itaquera.

-Aquela época não conta, a gente mal se falava. Lembra de como minha família era discriminada? Tinhamos acabado de chegar do nordeste.

-Vamos ao que interessa moço. Você e eu não chegamos a um acordo. Sempre essa mesma ladainha...

-Ladainha? Éramos amigos do peito, mas isso não impediu de roubar minha garota.

-Ora, admita, ela me ama. Ninguém tem culpa de se apaixonar.


-Tudo blá, blá, blá...


-É sério Juca. Acha que me sinto feliz com essa situação?




Era sempre assim. Eram companheiros de longa data, moravam vizinhos, trabalhavam sempre juntos como ajudante de pedreiro, colegas de futevol, mas desde que tiveram uma briga por conta de uma garota, tudo era motivo para discussão.




-Acho que eu devia ter arrebentado com sua cara, isso sim. E a dela também...


-Não diga bobagens. Somos amigos e isso não mudou. E além do mais você quebrou a minha cara, esqueceu? Lucas apontou para uma marca roxa no olho direito.


-Ora, isso foi pouco...



Eles estavam colocando o piso de mármore no salão da paróquia São Judas Tadeu. Todo carnaval era a mesma coisa, depois dos bailes o padre mandava refazer o piso danificado pelos foliões. Essas festas rendiam um bom lucro para os cofres da igreja que há oito anos estava em construção, parecia não ter fim devido à pouca arrecadação.


-Não entendo por que trocar o mármore, está em ótimo estado...

-Sei lá, somos pagos pra isso, sem perguntas ok? Depois o padre já adiantou o cimento, so resta o piso, vamos logo com isso.


Muitos eram contrários aos bailes de carnaval, diziam ser coisa do diabo essas festas onde as pessoas mostravam o pior de si e também pela venda de bebidas alcoolicas. Mas o padre Alfredo não pensava dessa forma, ele terceirizou o serviço e fazia vistas grossas a esses fatos, desde que rendesse um bom lucro para que adiantasse os serviços dos´pedreiros.



-Ai! Que merda! Tem um prego aqui...Juca apontou para o chão enquanto escorria um filete de sangue da parte inferior de seu pé.


-Deixe-me ver...Não é prego, parece uma ponta de plástico...


-É prego! Está cego?

-Tem que desinfetar isso, pode infeccionar.

-Ah, mas você ia adorar isso não é....Ia se livrar de um encosto.

-Eu não disse isso, mas bem que você podia parar de ser chato.

-Chato? Você me traiu porra! Meu melhor amigo me traiu...

-Cara, já passou...Eu e a Mirna nem estamos mais juntos!

-Pois é...Isso é que me consola. Juca falava enquanto tentava limpar o pé com uma toalha.

-Olhe...Engraçado, eu podia jurar que o prego se mexeu...

-O que?

-O prego...Veja!

Uma ponta parecida com um prego se mexia no chão de um lado para o outro.

-Ora, vai me dizer que o prego tem vida? Juca ria do amigo.

-Veja você mesmo...Novamente a ponta do prego se mexia de um lado para o outro.

-Deve ser alguma barata, seu idiota! Eu já entendi, você está tentando mudar de assunto...

-Nada disso...

-Então me diga, como ela era de cama?

-O que?

-Conta vai, não estão mais juntos mesmo.

-Ora, deixa disso.

-Desembucha pô! Ela tinha pudores?

-Nada. Chupava como ninguém.

-Cadela! Nunca me fez um agrado assim...

-Juca, esquece a Mirna. Acabou.

-E o resto? Conta vai?

-O que quer saber?

-Ela deixou você...Sabe o que!

-Não sei do que está falando...

-Comeu o rabo dela?

-Bom...No começo ela resistiu, mas depois...

-Comeu?

-Comi e ela adorou.

-Vagabunda! Juca estava possesso. Pegou a pá e começou a remexer o cimento fresco com ódio.

-Para com isso...Está estragando todo nosso trabalho.

-Me deixa caralho! Remexeu todo o piso fresco, resmungando palavrões.

"Cadela, toma sua cadela! Piranha, maldita!"

Foi quando encontrou um pedaço de madeira junto a terra.

-O que é isso?

-Sei lá...

-Pare com isso Juca. Me ajude aqui. Puxou a madeira e junto veio o prego que tinha furado a sola do pé de Juca.

-Maldito prego! De onde veio isso?

-Ajuda aqui cara. Tem mais...

Puxaram com força e com surpresa perceberam uma tampa de madeira...

-Isso é...Minha Nossa Senhora!

-Uma tampa de caixão. Sim, me ajude aqui.

Abriram a tampa e quase tiveram um ataque...Um corpo enrolado num pano se contorcia.

-Abra! Anda Juca, desamarre a ponta do saco.

Qual não foi a surpresa, uma moça estava amarrada e amordaçada dentro do saco de pano.

-Meu Deus do céu...Você está bem?

-Ela está em choque, não mexa nela...


Policiais, ambulância, gente se aglomerando...A igreja nunca teve tantos fiéis.


-Dizem que foi o padre...

-O padre? Santo Deus...

-Sim, encontraram oito esqueletos nesse chão. Todos dentro de caixões. Pela perícia parece que foram assassinadas uma por ano.

-Quer dizer que há oito anos esse louco vem matando moças?

-Estuprando, estuprando...E depois as enterrava viva.

As duas carolas não paravam de falar do ocorrido. Tinham assunto para a semana toda.

-Mas por que os pedreiros remexeram o chão? Pelo que eu soube eles iam colocar o piso, o cimento já tinha sido assentado.

-Pois é...Isso eu não entendi.

Será que desconfiavam do padre?

-Sei lá...Que sorte essa moça teve...

-Os moços são heróis. Eu ouvi dizer que descobriram um baú cheio de ouro...

-Que besteira...Não ouvi nada disso.

-Mas acha que seriam bobos de contar pra alguém se achassem?

-Não, claro....

-Pelo sim e pelo não...Vamos apresentá-los a Mariquinha.

-Grande idéia..

-Acho que dessa vez desencalha...

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