domingo, 14 de março de 2010

A FILHA DO VAMPIRO - POSTAGEM 1

A movimentada avenida estava envolta pelo marasmo noturno. Onde, durante o dia, trafegavam incontáveis veículos em uma correria desenfreada, agora apenas vez ou outra se via um passando a toda. Mesmo se tratando de uma grande avenida, o adiantado da hora e a localização de alguns de seus trechos intimidavam os fortuitos usuários.
Quando o reluzente esportivo desacelerou até parar completamente ficou evidente a existência de complicações. Em ambos sentidos. O veículo deveria ter sofrido alguma pane e seu condutor estava em vias de descobrir que aquele não era o melhor dos lugares para uma avaria mecânica.
Os espectros soturnos, que perambulavam pelas sombras, aguardavam a oportunidade para tornar a noite menos enfadonha. Era como se pressentissem a tragédia ou sentissem o cheiro da desdita que acompanhava os desafortunados. Três elementos mal intencionados deslizaram em direção ao veiculo avariado.
O condutor, na verdade a condutora, era uma jovem franzina de pele alva, compleição que poderia enganar qualquer um se desejasse passar-se por uma adolescente. Sua fragilidade era tão incontestável que seria ilógico imaginá-la reagindo a um ataque.
As silhuetas ameaçadoras aproximavam-se lentamente, antegozando, sequiosas, o resultado do ataque. Mesmo sem saber quem conduzia o veiculo, eles estavam em três e muito bem aramados. Não encontrariam dificuldades em atingirem o objetivo que orientava seus movimentos.
A moça tentou, desesperadamente, fazer o veículo voltar a funcionar. Iludia-se acreditando que acionar a ignição resolveria seu problema. Estava tão absorvida por sua contrariedade, que não percebeu a movimentação dos suspeitos. Sua atenção parecia restringir-se a um único ponto.
Assim que mãos imundas tocaram o vidro da janela ao seu lado, ela se desorientou. Não houve tempo para sentir medo ou surpresa. A mão, que tocou o vidro, afastou-se repentinamente para logo voltar a chocar-se contra o vidro. A força fez a frágil proteção romper-se com estardalhaço. Os cacos voaram na direção da moça.
Sorrisos de escárnio mesclavam-se aos de intenso contentamento. A noite que parecia fadada ao fracasso, de repente se mostrava muito auspiciosa. Os meliantes não esperavam uma presa tão atraente. o modelo do veículo indicava que o saque seria compensador.
Assim que a mão do homem invadiu o interior do automóvel, agarrou o pescoço da moça sem pressioná-lo muito. Num esforço quase inexistente, ela tentou soltar-se. A respiração ainda não tinha sido comprometida e seus olhos brilhavam entre o assombro e a súplica. Fixando seu olhar no agressor, ela implorou em um sopro de voz:
-- Por favor, não façam isso!
Tenha sido pela debilidade na voz ou pelo fato do rogo tê-lo feito sentir-se todo poderoso, o agressor permitiu-se um sorriso diferente. No lugar do escárnio luziu um que de comiseração. A coitada estava literalmente em suas mãos. O fogo selvagem de um desejo incontrolável acendeu-se em seu âmago.
Nem a moça, nem o agressor ou qualquer um de seus comparsas notaram a imensa sombra que planou sobre eles. Mesmo assim, seus corpos registraram a energia que ela emanava. De repente foi como se a noite tivesse se tornado fria. Arrepios insistentes percorriam seus corpos.
-- O quer foi isso? Perguntou o mais próximo do agressor.
-- Isso o que?
-- Não sentiu?
-- Está ficando maluco? Vamos acabar com isso.
Sem esperar por outra argumentação, ele arrancou a moça do interior do automóvel. Assim que ela sentiu que já não estava mais sob a ilusória proteção do veículo, desfaleceu. Seu corpo caiu sobre o solo imundo.
-- O que você fez? Zangou-se o comparsa que nada falara até então. Não era para matar ninguém.
-- Ela não está morta. Só desmaiada.
-- Tem certeza?
-- Sim.
-- Melhor assim. Vamos dar um trato nela e depois nos mandar.
O pequeno intervalo de tempo em que suas atenções haviam se desviado da moça foi suficiente para que algo inusitado ocorresse: o frio se intensificou, mas não era um frio normal de uma noite comum, era muito mais do que uma sensação de desconforto, era como se eles estivessem sendo abraçados pelo mais intenso dos terrores.
A imensa sombra aproximara-se ainda mais da cena. Os sons noturnos foram engolfados por um vácuo aterrador. A débil luminosidade morreu no abraço da densa treva que se lançou sobre eles. O pavor dominante enregelou seus espíritos. Antes que pudessem esboçar qualquer reação, da sombra, agora corporificada em uma silhueta sombria, soou a mais cavernosa das vozes:
-- Os rapazes queriam diversão? A voz soou mais gélida do que o ar frio que havia soprado há instantes.
-- O que significa isso? O agressor interpelou a si mesmo.
Tudo se passou tão vertiginosamente que eles não conseguiram atinar com a realidade que os envolvia. Somente o beijo da morte foi sentido. Um beijo dado por lábios frios que escondiam presas agudas e ferozes. A sombria silhueta avançava como se planasse livremente.
A pressão que suas mãos exerceram, sobre o pescoço do agressor, o deixou atônito. Nunca havia sentido uma força tão intensa. Os ossos de sua medula foram pulverizados instantaneamente. Quando as presas se cravaram em sua jugular, não havia resistência alguma. O sangue jorrou manchando as vestes de ambos. Os lábios sorveram as preciosas gotas rubras.
Os outros dois não tiveram tempo para escapar da sincope que os dominou. Atordoados demais para tentarem qualquer reação, foram as próximas vítimas do ataque voraz do sombrio ser.
O primeiro foi levantado com tamanha facilidade que ele chegou a se perguntar quem seria aquela criatura. O sombrio pareceu compreender sua inquisição muda. Olhou-o com ironia antes de trazê-lo para junto de seu rosto, colocá-lo em posição, mas antes de estraçalhar sua jugular, sussurrou em seu ouvido:
-- Sou a esperança de muitos que você ajudou a lançar no inferno!
O sangue verteu, mas ele não o sorveu. Sabia que era um desperdício sem perdão, mas que se danassem as considerações. Sua sede já estava saciada, o que ele desejava era livrar o mundo daquela escoria.
continua...AQUI

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