terça-feira, 14 de setembro de 2010

ACIDENTADO

O ódio o corroia sem piedade. As cenas se sucediam, se perdiam, voltavam a se mostrar, se ocultavam, retornavam... entre um vislumbrar e outro a mesma pergunta martelando sua mente: Por que?
Seus olhos estavam embaçados. Sua atenção perdida na emoção que o sufocava. Seu cérebro não atinava ao movimento que o abraçava. O automóvel seguia, não, devorava a estrada. Os outros corpos se transformavam em meras manchas disformes. Seu coração tentava viajar mais célere do que o veiculo, mas não, ele não conseguia avançar além da maldita velocidade máxima.
Um tênue risco apontou assim que a última curva foi contornada. Estava tão atormentado pela reminiscência que nem se deu ao trabalho de desviar ou tentar frear. Um congestionamento habitual, uma parada programada que não se efetivou. Um descuido... um deslize... os pneus derrapando... o veículo rodopiando... a certeza de que o impacto aconteceria... a colisão...
Poderia ter sido contra a traseira de outro veiculo, ou a lateral de um dos muitos coletivos, também a frente de um dos monstruosos brutos, mas não, o destino havia lhe preparado uma desfeita; ele não teve chance alguma, não pôde sequer entender o que se passava.
A barra penetrou seu peito como se fosse uma lança. Rompeu a carne com suavidade como se estivesse mergulhando em uma poça de água. O sangue jorrou antes mesmo dos ossos serem atingidos. A massa férrea esmagou a parede óssea. Veias, músculos, nervos, tudo sendo destruído pela rigidez da ferramenta. Os pulmões foram perfurados, o coração... bem, este já estava mesmo estraçalhado...
O choque da morte!
Ele não registrou a funesta passagem. Sua mente estava atormentada, sua alma dissociada do ser material. Em câmara lenta ou em velocidade vertiginosa a cena voltava a se repetir num contínuo perpétuo que o deixava enlouquecido. A barra atravessava seu peito, o sangue jorrava, a dor o consumia e, no entanto, sua mente mantinha-se presa à angústia de saber que havia sido traído.
Quando a dor se tornou insuportável sua mente rompeu o círculo vicioso. A fissura interpôs-se ao doentio ir e vir, agora ele não estava mais vivendo a repetição de seu desastre. Surpreendentemente, para ele, ainda sentia-se vivo. A barra estava alojada em seu peito como uma lança mortal. A dor o atingia, embora não chegasse a ser fustigante. Os olhos pesavam. A respiração ofegava. Por que ele não conseguia sair daquela escuridão sufocante?
Desesperadamente ele lutou para retirar a barra de seu peito. Sempre que conseguia movê-la alguns centímetros, sentia a dor agigantar-se entregando-o a um sofrimento tão forte que sua mente desabava nas brumas da inconsciência. Ao sentir que despertava, tentava outra vez e outra vez perdia os sentidos. A luta estendeu-se por longo tempo, tanto que ele não fazia idéia de quantas horas já se passara.
Finalmente a barra foi retirada. O sangue jorrou ainda mais violentamente. A dor assomou com uma crueldade sem igual. Ele voltou a perder a consciência, mas desta vez ele sabia que ao recobrá-la poderia abandonar aquele ambiente sufocante.

continua AQUI

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