Bem vindos ao Cemitério do Vale das Sombras. Uma Necrópole de nossos textos sombrios. Aqui só crônicas, poemas, contos e tudo no bom e velho estilo gótico de viver. Falou de morte? Poste aqui. Tristezas? Raiva? Contos macabros? Fábulas assombrosas? Temas exóticos? Textos fantasmagóricos? Aqui não tem meio sorriso, sorriso inteiro, só choro e sobrenatural. Venha fazer parte das almas atormentadas do Vale das Sombras.
domingo, 20 de abril de 2008
O ARRANHÃO - 20/04/2008
Toinho tinha 12 anos quando isso aconteceu. Já havia quatro anos que sua amada mãe havia morrido. A casa antiga da fazenda se tornava cada vez mais sombria.
Os dias eram solitários, seu pai não lhe falava muito.
As noites eram longas, os roncos de seu pai não lhe permitiam dormir. Ele ouvia cada som da noite. Desde o vento n plantação, até os chiados das galinhas no porão. Mas nada superava os roncos de seu pai.
Certa noite ouviu um barulho diferente sob o piso do quarto. De repente, as galinhas se alvoroçaram e subiu-lhe, às narinas, um cheiro de mata e de cachorro molhado.
Imaginou que o galinheiro estivesse sendo atacado por uma raposa. Pensou em chamar seu pai, mas seus roncos, infindáveis, denunciavam um sono de pedra.
Abaixou-se sobre o assoalho e pôs-se a olhar por suas frestas.
Viu um vulto maior que um homem. Assustou-se e quis correr para o quarto do pai. Mas os roncos emanados de lá, o assustavam mais que o vulto.
Voltou a abaixar-se e olhou novamente por entre as frestas. Surpreendeu-se ao notar, do outro lado das frestas, um par de olhos esbugalhados e vermelho-fogo.
O detentor dos olhos vermelhos falou-lhe, com voz rouca e hálito de fezes de galinhas:
- Ta olhando o que, moleque???
Silêncio!!!
- Quer chamar o Papai??? – Continuou.
- Eu chamo mesmo!
- Se ele se preocupasse com você, já estaria acordado, não acha?
- Ele só ta cansado!
- De você?
Silêncio!!!
- Essa sua vidinha pode mudar, menino!
- Como?
- Acabando com seu medo!
E terminando de falar, o estranho encheu a boca de algo que pareceu, aos olhos do Toinho, uma suculenta farofa de pinhão.
- Eu posso te ajudar! – Continuou, falando e comendo.
- Como?
- Venha até o galinheiro.
- Não sei!
- Não tenha medo, confie em mim! Venha aqui!
- Espera. – foi falando e se dirigindo à porta do quarto do pai.
O grande homem da roça dormia sobre três travesseiros esfarrapados, uma colcha de retalhos velha e um lençol que não parava sobre o colchão. E roncava forte, como uma fera faminta e desorientada.
Pensou em acordá-lo, mas depois do terceiro “rosnado sonífero” do pia, desistiu.
Saiu pela casa, andando pé-ante-pé até a porta, servido de galinheiro. Respirou fundo e entrou num só pulo.
De olhos fechados, sussurrou:
- Estou aqui!
O homem-fera soltou um urro gutural e todas as aves do galinheiro saíram desesperadas pela porta, passando por cima do Toinho e o derrubando ao chão.
Apavorado, começou a gritar e a esmurrar o ar. Por alguns segundos ficou assim. Até perceber estar completamente só.
Levantou-se com medo e olhou tudo ao redor. Não havia nada, nem ninguém...
Limpou-se rapidamente e voltou para dentro da casa. Correu para sua cama e cobriu a cabeça.
Depois de quase uma hora ouvindo os sons da noite, acalmou-se e percebeu um arranhão em seu antebraço esquerdo.
Passaram-se 28 dias e o arranhão não se curava. Por dias ouviu o pai lhe recriminando por ser descuidado e desatento e por se machucar à toa. Além disso, nos últimos dias, o ronco de seu pai parecia mais alto, freqüente e irritante.
Naquela madrugada, 28 dias depois do ocorrido, o menino ouviu o mundo se silenciar... Foi até a janela, sentiu o cheiro da mata e de fezes de galinha. Sua boca secou, seus olhos viram muito mais longe do que já havia visto em sua vida. Num instante, o mundo ficou claro ao seu redor. O menino fechou os olhos e seguiu ouvindo os roncos de seu pai.
Já à porta do quarto, sentiu o cheiro de fumo de rolo e estrume de vaca queimados, cachaça e limas da pérsia (que na verdade eram do seu quintal mesmo).
Segundos pareciam horas.
E os roncos pareciam cada vez mais altos. Sua cabeça parecia explodir. A dor era incontrolável...
De repente, ouviu-se o som de unhas afiadas em carne macia e sebosa. E não se ouviu mais nada.
Naquela noite, depois de quatro anos, Toinho dormiu como um anjo... Um anjo da noite!
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Fernanda e Beto Reis
10/04/2008.
2 comentários:
Estão ficando danados de bom. ADOREI. PARABÉNS DUPLA MARAVILHOSA. Amei . Muito bom. Bjs
Pois é....
Fiz o possivel para recordar as histórias que minha bisavó me contava sobre lobisomens da roça...
Repare na preferencia por comer fezes de galinha e por pedir consntimento ao seu sucessor....
Valeu o comentário....
Abraços
Beto Reis
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