sexta-feira, 30 de maio de 2008

Convidada do Vale "JULIANA T. P."


Cada quadro era uma realização em sua vida.
Ele amava sua arte, mesmo ela sendo considerada medíocre muitas vezes.
Há algum tempo vinha procurando uma musa inspiradora pra suas obras, mas as mulheres que visitavam seu ateliê geralmente eram superficiais demais.
Ele não procurava modelos ou atrizes, cuja beleza já se conhece. Ele precisava de alguém de beleza incompreendida, bruta algo a ser rebuscado e decifrado.
Cada tela em que ele ousava tocar o pincel era como tinta escoada ao esgoto. Seu trabalho já não vinha sendo o mesmo, ele sentia o quão perdido estava. Passava horas fitando a parede branca em seu quarto, imaginado onde estaria o que ele procurava, o fogo que reavivaria sua vontade de criar. Desperdiçava madrugadas devaneando, esperando.
Naquela noite ele dormiu e sonhou com a beleza que procurava, ele não a viu por completo apenas nuances de uma donzela com rosto longo e nariz eqüino exibindo madeixas negras caindo sobre as costas.
Acordou e na mesma noite pôs-se a pintar os traços lindíssimos que ele vislumbrara em seu sonho.
Estava preparando as tintas quando por instante fitou a alva parede e notou algumas protuberâncias, caminhou até ela e tocou-a. Sobressaltou-se ao perceber que as elevações na massa corrida formavam claramente uma silhueta feminina.

Num primeiro momento a idéia que lhe veio à mente foi apenas uma infiltração por dentro da tinta que estragara a sua parede porém percebeu que era simultâneo, ele a pintava, ela mostrava-se de forma espectral no concreto do apartamento. Agora seus seios eram nítidos e belíssimos olhos iam aparecendo aos poucos sobre o concreto.
Seus dedos estavam doloridos ele não conseguia para de pintar, pois cada pincelada era mais brilhante que a outra, eram suaves e ao mesmo tempo marcantes.A beleza da tela prendia a atenção, e conforme o trabalho evoluía ela ficava mais nítida na parede.
Ele embriagava-se de sua beleza enquanto que antes do final da obra prima a moça estava movendo-se na parede, linda e sensual insinuava-se a ele. Murmurava baixinho “Um artista deve ficar com sua musa eternamente”. Os últimos acertos foram dados na pintura, o artista estava visível e literalmente excitado, uma ereção grande e brusca latejava em seu ventre, em brasa, incessante.
Concluiu a tela e num suspiro profundo deixou levar-se pelo desejo. Achou que se tratava de mera ilusão quando a moça de corpo esguio desceu da parede como que transportada por encanto. Com passos ágeis ela prostrou-se à frente do artista e passou a acaricia-lhe:
_Não lhe parece boa idéia juntar-se a mim meu querido. Pois ouvi suas súplicas dias e noites implorando por minha beleza.
Inebriado pelo aroma doce do corpo da jovem, qualquer proposta pareceria lhe maravilhosa.
A musa encantou-lhe com beijos ardentes e profecias de grandes maravilhas ao seu lado, enquanto ela o falava inconscientemente pendurou a gravata em uma viga saliente em seu ateliê, preparou o nó ouvindo a voz melodiosa da musa entoando uma cantiga doce e enfeitiçadora.
O orgasmo veio quente e rápido, deixando-o frágil exaurido.
Deu por si quando estava em pé sobre um banco com a gravata atada no próprio pescoço, em suas pernas o gozo ainda escorria quente. Espantou-se consigo mesmo, porém era tarde demais, o banco virou.

Ouviu-se apenas um estalo seco na noite, a sombra de um corpo balançando.
E na parede pode-se enxergar uma silhueta de um homem ao lado de uma mulher, a única testemunha uma tela bem pintada, mas sem assinatura.

Juliana T. P.

2 comentários:

Adroaldo Bauer disse...

Muitíssimo bom, Juliana. E vai-se pensar até quando aquela parede restará em pé e não tem mais fim...

Ana Kaya disse...

Não sei de onde esta guria tira estas idéias maravilhosas, ela é perfeita.
Surpreendente, ótimo.
Amo tudo que vc escreve Ju. E te amo muito tb claro eheheheh.
Beijos minha prendinha