segunda-feira, 21 de julho de 2008

UM PASSO NA ENCRUZILHADA.

E, de súbito, sentiu penetrar-lhe as narinas um nauseante odor de enxofre.

O homem, temente, estremeceu.

Tomou a Bíblia. Brandiu-a, pupila miúda, olhos esbugalhados. E conjecturou sobressaltado que a porta do seu templo estava já a dezenas de metros distante de si.

Orou fervorosamente, sentido que era exíguo o tempo de que dispunha.

Estava numa encruzilhada. O diabo ameaçara-lhe no culto, sacudira sua carne, subjugara-o ao solo eletrizado do templo, o constrangendo a ensaiar esgares, lançar espuma pela boca, a revirar os olhos nas órbitas inquietas.

E ele, crendo-se liberto, rira-se do diabo, após palavras veementes do pastor, e sob a vigorosa intercessão deste.

Num instante, pareceu-lhe ver diante de si um ebó, farto, belo – a comida a transbordar do alguidar.

-Senhor! – ele clamou, sentindo-se tão dúbio e tão fraco diante do maligno.

Precisava passar adiante. Ousou faze-lo. A Bíblia caiu-lhe das mãos, como que surrupiada por lufa desconhecida. E, na seqüência, sentiu uma terrível vergastada nas costas, num golpe seco, acre, vigoroso.

O nosso crente não pôde suportar a investida. Como esses garotos estouvados que tremulam diante do perigo, conjurado após traquinadas imprudentes, ele saiu em disparada, dementado, espavorido, pisando cegamente na oferenda, derrubando os círios, esparramando a farinha, o azeite e o aguardente.

A horda de quiumbas gargalhava, no domínio daquela egrégora, e ainda embriagada pelos efeitos dos últimos fluidos da macumba.

Não tocaram nas Escrituras. Mas sentiram-nas impregnadas pelo religiosismo fisiológico, em seus laivos de fanatismo risível. E viram, formando-se naquela plaga circunscrita, as imagens ideoplásticas dos cultos infecundos e o seu mediunismo levado às instâncias do pragmatismo maquineista.

As Escrituras estavam conspurcadas pela concepção confusa e distorcida da excelsitude da divindade e das verdades espirituais.

-Um tolo. – riu-se por fim um dos capetas, chutando o duplo da oferenda, e conclamando os comparsas às novas investidas ainda prementes àquela noite.

Aos bons e aos maus, toda a honra e toda a glória. Aos dúbios e lânguidos, a escravidão, mental e espiritual - na sua relativa eternidade.

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