O carrilhão dobra a meia noite
Solitário no campanário retumbante
Acolho minha maldita existência
Esqueço a plangente temperança
É Natal! Repicam os dobrados
Mas que é o Natal dos homens
A um ser sem mérito ou esperança?
Transeuntes vagam excitados
Explosões luminosas povoam o céu
Agitação frenética domina o ar
Os brados vivazes ecoam ruidosos
Serei o único a verter as lágrimas?
Serei o único a viver a dor?
Por que não encontro eco aos rogos
Que vomito sobre meu passado?
Por que não me oscula a morte
Anjo despido de virtudes ou pecados?
Meu eu sangra em profusão
A agonia que o abate é cruel
Ainda posso ouvir o riso
Ainda posso ver o rosto plácido
Ainda posso sentir o calor
Do corpo suave e delicado
O perfume inebriante e adocicado
O anjo terreno que me houve roubado
O princípio de meu presente inglório
Este vagar sem fim... amaldiçoado.
Os mortais nada sabem do conflito
Este penar interno que dilacera
Esta mácula mortal que me tortura
Celebram o momento de paz
Mesmo tendo os corações em ódio
Mesmo não se dignando em crer
Naquele que festejam o nascer.
Terá sido, meu crime, mais odioso?
Serei punido pela eternidade?
Por que me recusam a redenção?
Por quanto mais este sofrer?
Nem mesmo a bênção do fim
O repouso abençoado da entrega
O dom de poder, enfim, morrer...
É Natal! Presentes são distribuídos
Abraços e beijos compartilhados
Sorrisos vagos e ricos em hipocrisia
Tempo de armistício aos litigantes
Olvidam-se as injúrias... os acintes
Celebram a mesa farta e apetitosa
Dizem estar plenos de alegria.
Mas ao lado, lançado a própria sorte
Desfaz-se em prantos um moribundo
Peleja, com a fome, um deserdado
Mendiga um pedaço de pão
Vai seguindo na sarjeta desumana
Esperando quando ouvirá outro não!
Tanta maldade perpetrada
Tanto mal dissimulado
E o único a mortificar-se
A viver a condenação solitária
A esquecer-se que já morreu
A vagar sem paz... sem lenimento
Este único maldito sou eu!
Vergado pela pena mais rigorosa
Cedo a dor e dobro-me em joelhos
Minhas vistas tingem-se de rubro
Apenas vultos chegam-lhe a razão
Num momento de desatino
Ouço uma celestial canção.
De onde provém mavioso som?
Qual será o anjo a entoá-la?
Procuro a origem da melodia
Busco-a no mais suntuoso palacete
Procuro-a na mais potente igreja
Onde está a fonte da sublimidade?
Incrédulo e indignado a descubro
Não nos cumes da sociedade
Mas em meio às sarjetas da cidade.
Toda minha tortura vaza num instante
Que pode, um ser atormentado
Maldito em sua essência imortal,
Valer diante da simplicidade da criança
Que mesmo tendo apenas a solidão
A abraçá-la com seu frio voraz
Eleva o olhar cândido e solta sua voz
para externar sua gratidão
para expressar sua esperança?
Mesmo que excluído da ventura
Ainda que me seja negada a redenção
O canto singelo de uma criança
Pode mais do que mil vivas
Pode mais que todos presentes
Pode mais que milhares de sinos
Pois ao ouvir suave canto
Senti minha alma aliviar-se
Já não me dobra o peso da condenação
Sinto a brisa serena a soprar
É Natal! Os homens podem conspurcar
Esta data de sentido tão especial
Mas enquanto ecoar, no seio noturno,
Um cântico tão doce e afável
Haverei de permitir-me sorrir
Haverei de ainda acreditar...
Um comentário:
nossa...muito bonita a sua poesia, aliás é muito comovente...belas e lindas as palavras exprimem uma tal emoção que é deveras... uau... não tenho palavras.
beijos
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