quinta-feira, 12 de março de 2009

TERCEIRO ANDAR ANDAR: INSALUBRE





O moleque batia na porta do apartamento número 5 do Condomínio Jardim Florido. Manchando o suéter de lã verde do garoto havia uma roda avermelhada. O menino negro, agora com tom de pele quase cinza havia cambaleado até ele pedindo socorro. Ele o enxotara de lá sem dó nem piedade. Talvez fosse por isso. Uma punição divina. Talvez Deus o tivesse julgado desmerecedor de sua vida. Tudo acontecerá a 6 dias atrás. Os garotos vinham muito até ele, o perturbavam, queriam “tudo fiado”. Sem falar no entra e sai do prédio o que dava muito na vista o comércio que ele promovia. Seu nome era Raul, mudara-se para o Bairro Industrial a cerca de um ano. Ele vendia cocaína em seu pequeno e sujo apartamento dentro do condomínio. Alí a clientela era vasta. Era o bairro onde haviam mais viciados em toda a cidade. Raul não almejava nada maior para si. Não tinha nem grandes ambições de se tornar um negociador de drogas majoritário em seu bairro. Sabia de suas limitações. Nunca fora esperto realmente. Seu pai costumava chamá-lo de – Peso inútil. E ele era, acreditava piamente nas palavras do velho homem de cabelos grisalhos. Nunca havia se metido em problemas até então. O moleque aparecera sangrando em sua porta. Era possível que tivesse sido esfaqueado. Estava morrendo. Raul sabia que sim, quando o menino havia tirado a mão do furo que vertia um mar vermelho ele havia vislumbrado suas tripas. Rolos de corda cor púrpura. Uma devia estar perfurada, pois o ventre da criança exalava um cheiro forte e nausenate de fezes frescas. Tivera uma inesperada surpresa naquela noite, após a aparição do menino. Franco, um policial a quem ele eventualmente pagava propina chegou em seu apartamento. Ele e dois outros policiais espancaram-no até deixa-lo semi-consciente. _Desgraçado. Eu te libero pra vender drogas à vontade. Mas matar criança, aí já é demais. Você errou feio seu traficantezinho de merda. Aquele moleque era filho do dono da Fábrica de Couro aqui do lado. Ele sabe que foi tu. Vai te matar e eu não vou poder fazer nada pra salvar tua pele. Raul tentou falar, a boca cortada sangrava deixando a voz pastosa: _Que é isso Seu Franco. Eu não fiz nada com o moleque. Juro que não fui eu. Eu só vendia umas buchas pra ele de vez em quando. Eu não sabia que ele tinha dinheiro. Cuspiu, duas, três vezes. Junto com o sangue e a saliva veio um dente, possivelmente um molar. _Não me interessa nem um pouco o que você diz Raul. Ce é um homem morto. Já sabe se sair pra rua... O homem de farda jogou Raul com força no chão fazendo-o bater novamente com as costelas no piso de concreto do apartamento. Os homens sairam, Raul ficou um tempo deitado no chão, as mãos entrelaçadas sobre o abdome dolorido, a boca e o nariz ainda sangrando muito. Realmente o que Franco prevera aconteceu. Na mesma noite Raul vislumbrou a silhueta de dois homens dentro de um carro azul marinho na frente do prédio. Ainda descrente do aviso de Franco, o rapaz saiu na janela. Imediatamente um tiro zuniu próximo a sua cabeça deixando uma marca no concreto do prédio. E assim se passaram os últimos seis dias. Raul percebia a movimentação em frente a sua casa. Dia e noite havia alguém a espreita. Os homens geralmente eram mal encarados. Uma vez Raul pode ver um homem negro de porte grande, bem vestido com calça social e camisa verde clara. Ele soube imediatamente de quem se tratava. Conheceu pelas feições. O homem era incrivelmente parecido com o moleque a quem eles chamavam de Carlão. Provavelmente era o pai do menino. Viera conferir pessoalmente se a cabeça de Raul estava na mira. Contudo os problemas de Raul não acabavam por aí. Na geladeira ainda restava um pacote de bolachas e meio pãozinho. Logo sua pequena ração estaria esgotada e ele não se atreveria ir até o apartamento de cima, a probabilidade de ele chegar até o outro andar era praticamente nula, a probabilidade do vizinho abrir a porta para dar-lhe comida era ainda menor. O caso era que haviam atiradores por todos os lados. Possivelmente algum no próprio corredor. Na verdade era uma questão de tempo, ou os capangas do homem negro o encontravam ou desidratação profunda acabava com ele. Antes do acontecido Raul tomava água mineral, já que a que vinha da torneira tornara-se imprópria para consumo há algum tempo. A água que ele vinha bebendo agora vinha dos canos com cheiro de produtos químicos inimagináveis, a cor também fugia o padrão; horas amarelada horas acinzentada. Ele sentia-se cada vez pior. Sua barriga doía muito e a disenteria era constante. A ultima cólica forte realmente preocupara Raul. Além de fezes ele havia expelido uma quantidade de sangue vivo. A fraqueza era grande demais, agora. Ele limitava-se a ficar próximo a janela onde de vez em quando espiava por uma fresta da cortina que ficava fechada a maior parte do tempo. Na noite passada ele escutara passos e sussurros no corredor. Não teve como saber se era realidade ou alucinação devido a forte desidratação. Vomitou mais uma vez, não teve mais forças para segurar-se continuou encolhido na poltrona enquanto um liquido quente e pastoso escorria por entre suas pernas cruzadas. Ele já não ligava para o fedor, que era característico em todo o apartamento. Espiou pela fresta da janela. Imaginou mais uma vez quem venceria a batalha pela sua alma, os assassinos sob encomenda ou a desidratação. Dormiu acreditando que seria a desidratação. Não acordou, estava certo.

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Juliana T. P.

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