terça-feira, 14 de julho de 2009

POSSUÍDO


.

O dia não apresentava nenhuma aura diversa dos últimos que haviam passado. Nenhuma premonição poderia indicar que uma tempestade estava se formando sobre as pessoas que transitavam despreocupadamente pelo centro da metrópole. Quando o temporal veio, foi instantâneo, sem aviso, de um segundo para outro.
O primeiro disparo atingiu uma senhora que circulava com algumas sacolas de uma loja de departamento. O rubro verteu de seu peito tingindo sua imaculada blusa de um alvo índigo. As pessoas, que testemunharam sua queda, julgaram que ela tivesse sido acometida por algum mal súbito, mas nenhuma teve tempo para desfazer seu engano.
Depois do primeiro disparo, uma seqüência interminável seguiu no decorrer dos minutos. Quando, finalmente, o ataque cessou vinte e tre corpos jaziam sobre poças de sangue. Os ferimentos registravam a precisão milimétrica do atirador. Olhos assustados tentavam localizar a origem dos projeteis, mas a ausência de novos disparos, engoliu o executor. O pânico dominou os poucos que se mantinham imobilizados.
Os primeiros minutos, que se seguiram aos disparos, foram dominados pela apreensão generalizada. A falta de uma mente lúcida desencadeou alguns fatos que, talvez, nem mesmo o atirador havia suposto: dois homens foram atropelados ao tentarem fugir do local, uma senhora foi jogada para frente atingindo a parede de um dos edifícios com tamanha violência que sua fronte fendeu-se, duas outras pessoas foram pisoteadas pela turba que corria sem direção.
Aos poucos as viaturas e ambulâncias foram chegando e tomando conta dos espaços. Os trabalhos eram centrados no atendimento às vítimas. Não se notava preocupação alguma em se tentar localizar e identificar o atirador. Uma dezena de corpos já havia sido removida quando o pesadelo recomeçou.
A nova série de disparos atingiu as laterais dos carros de socorro. Dois socorristas foram atingidos em partes não vitais. Os policiais, que tentavam controlar o trânsito, deixaram a tarefa de lado para concentrarem seus esforços na tentativa de localizar o autor dos disparos.
Nova onda de correria e atropelos, desta feita sem vítimas fatais. Os soldados conseguiram localizar o edifício onde o atirador havia se alocado. A operação para detê-lo seria muito arriscada, o homem havia escolhido a mais alta das construções localizadas na região.
Agindo segundo o treinamento recebido, os policiais moveram-se cautelosamente. Alguns permaneceram no solo para controlarem a situação, daqueles que estavam diretamente envolvidos na operação de combate ao atirador, um grupo entrou no prédio ocupado pelo autor do atentado e outro se dirigiu ao edifício localizado a frente.
Apenas dois elementos deveriam abordar o atirador. Um tenente e um sargento foram os escolhidos. Homens acostumados a atenderem ocorrências dramáticas, tinham o conhecimento necessário para contornarem a situação. Ao menos era aquilo que pensavam, mas nenhum treinamento poderia tê-los preparado para a realidade que encontrariam.
Ao se colocarem em posição de abordagem, estacaram seus passos e se olharam perplexos. O semblante do atirador mostrava-se totalmente alterado. O brilho em seus olhos indicava que ele não estava em seu juízo perfeito. Não se tratava de um criminoso comum, mas de uma pessoa sofrendo algum tipo de surto psicótico.
Ainda julgando que ele não os havia notado, eles trocaram sinais num diálogo mudo. Manter uma conversação com o homem esbarraria na ausência de racionalidade do indivíduo. Quando realizavam uma abordagem, contavam que a pessoa estivesse apta a refletir sobre aquilo que estava fazendo, mas em se tratando de um sujeito surtado, tudo ficava incerto.

-- Aproximem-se, vermes rastejantes! A voz soou gutural e intimidante. Mesmo tendo o homem de costas, sentiram como se estivessem sendo sondados por olhos selvagens.
-- Largue a arma, temos o local cercado, não tem como fugir.
-- Não tenho a intenção de fugir!

Os policiais olharam-se atônitos. Além da entonação sobrenatural, o homem apresentava um aspecto incomum para a espécie. Seu corpo parecia estranhamente desfigurado; as faces coloridas por um rubor intenso, os ombros dilatados, as pernas recurvadas como se não suportassem o peso do resto do corpo, o peito inflado como se não respirasse.

CONTINUA...AQUI

Nenhum comentário: