segunda-feira, 12 de outubro de 2009

VOZ DA BESTA parte I e II



Eu durmo com meus olhos abertos. Meus ouvidos captam o menor som e eu acordo. Se o ar se move delicadamente sobre os pelos de meu corpo, eu saberei que existe uma criatura viva perto de mim. Cheiros de animais trazidos pelo vento podem encontrar-me mesmo estando centenas de quilômetros longe de mim.

Você tem medo da escuridão? Você está certo em temer. Vivemos na escuridão e lá fazemos nosso trabalho. Pode ter certeza que queremos apenas o que é mal. Apenas o que pode te machucar.

Quando estiver se sentindo fraco, nós saberemos. Então nós te olharemos enquanto dorme, esperando pela hora quando poderemos trazê-lo para dentro da nossa escuridão.

Á noite, falamos com você e te chamamos a juntar-se a nós. A batida na porta que te acorda durante a madrugada – isto é um de nós, vindo para convidá-lo a viver uma vida morta. Não ouça. Feche os olhos, se quiser escapar vivo.

Nós sempre estivemos aqui. Estávamos aqui desde o início dos tempos.

Muitas centenas de anos atrás as pessoas comiam com os deuses. Naquele tempo, na Grécia, existiu um homem chamado Lykaon. Nas estórias gregas, Lykaon era o filho do primeiro homem na Terra. Ele era o rei das pessoas que viviam nas montanhas de Arcádia. Mas Lykaon era um homem que fez coisas más, e um dia o deus Zeus ouviu sobre estas coisas. Então o visitou de surpresa. Lykaon matou uma criança e a deu a Zeus para comer. Zeus estava tão furioso que transformou Lykaon num lobo. Ele teve que deixar sua família e as pessoas, e viver nas florestas consigo mesmo.

Ele era metade homem e metade lobo.

Os filhos de Lykaon, meus irmãos e eu temos estado na Terra desde então. Mas deixamos Arcádia e viajamos o mundo. Cada um de nós se desgarrou e continuou sozinho. Vivemos escondidos em diferentes lugares. Algumas vezes nos mostramos ás pessoas, mas eles morrem de medo de nós. Usam armas e atiram em nós balas de prata. Fazem grandes fogueiras e nos queimam vivos e cortam nossa cabeça.

Mas nós não morremos. Apenas mudamos. Em mortos vivos.

Movemo-nos ao redor do mundo de várias formas. Você não nos vê, mas estamos no meio de vocês, em todas as partes do mundo. Você pode ouvir nossos uivos se escutar com atenção. Eles são carregados pelo vento vindo do sul e através das montanhas brancas do norte.

Não há nada que possa fazer para escapar. Você pode pensar que nos mata com suas balas de prata. Mas você não pode. Movemo-nos de um corpo a outro, de um lugar a outro. Precisamos de sangue e carne morta e estamos sempre famintos. Mataremos qualquer coisa viva: bebês, vacas, crianças, ovelhas, bodes, galinhas, homens, mulheres...

Como pode nos reconhecer? Bem, o que pensa que irá ver? Algumas vezes sou um animal da noite como um morcego ou um lobo ou uma coruja. Ou um negro cão selvagem, como um cachorro que senta na entrada do mundo subterrâneo. Algumas vezes eu sou o fantasma que se deita ao seu lado enquanto dorme. Ou eu sou um lindo homem ou mulher que você deseja mais que qualquer outra coisa neste mundo.

Eu sou todas estas coisas e nenhuma delas. Movo-me entre seu mundo e o meu tão facilmente como um peixe na água. Você não pode entender quão facilmente. Você pode ver alguma coisa se mover no canto dos seus olhos. Se se virar para olhar, não haverá nada lá. Apenas uma folha se mexendo com o vento você pensa.

Mas estou seguindo, pelas sombras, atrás de você. Sou seu pior pesadelo.

VOZ DA BESTA – PARTE II

Agora, eu olho de minha janela e vejo que a luz está indo embora da Terra. Esta noite a lua estará no alto do céu quase a noite inteira. Seu brilho prateado cairá macio como chuva nos campos e florestas, no topo da montanha. Breve sentirei o vento frio da noite em minha face, o ar movendo-se através dos pelos em minha cabeça, braços e costas. Escutarei o som de meus pés conforme eles andem na terra úmida e na grama. Ouvirei o som dos pequenos animais conforme eles se movam rápidos para sair de meu caminho.

Estarei saindo esta noite.

Você pergunta por que? Eu lhe direi.

Alguns visitantes chegaram. Eu os vi caminhando pela floresta. Eu os vi olhando ao redor, para o estranho lugar desconhecido. São pessoas da cidade. Aqui ficam inseguros, se movem com cuidado.

Mais tarde estavam no pub. A morte tocou-a com seus frios dedos. Pude ver isso em seus olhos. Agora ela tema a escuridão que a está seguindo.

Mas também existe algo em seus olhos que eu reconheço. Eu vi este rosto antes. Tenho certeza. Talvez na Grécia, Sul da Itália? Talvez num vilarejo da montanha em algum lugar. Ela me interessa. Não consigo parar de pensar nela. Eu quero que ela venha comigo, que esteja ao meu lado.

Eu sei que ela está pronta para vir ao meu mundo. Mas ela não sabe ainda. Quando eu disser, ela entenderá o que deve fazer. Mas devo ser cuidadoso. A hora tem que ser certa...

Primeiro irei até ela e darei as boas vindas, darei um presente. Devo me preparar.

Ando através do quarto escuro até a lareira.

A luz do dia me faz fraco e doente. A suave luz prateada da lua é o que eu gosto.

Da parede tiro meu cinto. É grande e pesado preto e prateado. Na prata existe a face de um cachorro, o cachorro que senta na porta do mundo inferior.

Coloco o cinto cuidadosamente no chão em frente do fogo. Ajoelho-me e repito as palavras que devo dizer. As palavras são numa linguagem que nenhum homem ou mulher podem dizer. Sinto o calor do fogo em meu rosto. No centro do fogo vejo meus pensamentos indo e vindo.

Depois de um tempo, depois que todas as palavras foram ditas, fico em pé e coloco o cinto.

Imediatamente meus braços e pernas ficam mais fortes. Olho através do céu escuro e dou um grito selvagem. Então, em um grande pulo, saio do quarto através da janela aberta.

A noite está fria, mas eu não sinto. Não sentirei até transformar-me em homem novamente. Toco o cinto ao redor de minha cintura.

Saberei o que fazer, quando chegar a hora certa.

By Ana Kaya

Um comentário:

Celso Mendes disse...

Muito legal o texto! Gostei muito de ler...