sábado, 21 de novembro de 2009

Depuração


Hoje precisei me afundar na noite crua, nua, sem teto ou paredes e adentrar sua solidão, a mesma que por vezes corta qual navalha, mas é necessária. O ruído de meus passos pisando pedregulhos no caminho sombrio daquele bosque ecoa lembranças enquanto escoa-me o veneno do dia. Ratos insistem em cruzar minha frente fugindo das corujas; levam com eles o brilho do medo nos olhos. Predadores dominam o ambiente e às presas resta o pavor.

Deixo a trilha e penetro uma densa vegetação. A obscuridade aguça os sentidos e fabrica monstros.

Dirijo-me a uma clareira no meio da mata, abro os braços, percebo a lua minguante me observando, desconfiada, miro a estrela (aquela, a mesma dos sonhos), absorvo os odores da mata e o frescor da brisa e começo minha depuração: minhas veias intumescem, músculos se retesam, a pele queima em febre insana borbulhando peçonha e exalo a fumaça rubra de meus rancores, dores e dissabores. Contamino a pureza natural dos instintos. Nesta noite o monstro sou eu e só a escuridão pode me abraçar.

2 comentários:

Allan Vidigal disse...

Bem gostado.

MPadilha disse...

Depois dizem que sentimentos tristes são ruins, claro, para o coração sim, mas para as letras, nossa...muito bom!