segunda-feira, 14 de junho de 2010

A MORTE DO VAMPIRO

Quanto tempo estou a vagar por este campo de morte? A humanidade segue sua caminhada totalmente ignorante ao penar que me abate. Sei que ela não pode partilhar de minha agonia, mas também sei que se não fosse pelo erro que ela cometeu...
Ainda trago, de modo indelével, as imagens dos primórdios. Os primeiros passos dados por esta espécie ingrata. Eles tinham todas as dádivas à disposição, mas a rejeitaram optando pela dor. Misericórdia! Sim, por mais esta dádiva fomos enviados à matéria. Por misericórdia caminhamos entre os homens, mas nem assim eles compreenderam.
Decepcionados, inconformados, saturados pelo desatino ad humanidade, muitos de nós se deixaram abater pelo desânimo. As energias nefandas os tragaram atirando-os ao abismo das trevas. Eu resisti. Solitariamente caminhei tentando encontrar aqueles que ansiassem pela Luz. Anos perdidos numa busca infrutífera. Os homens rejeitavam qualquer manifestação de misericórdia, eles só tinham olhos para as sensações mais mundanas.
Então minha tragédia se materializou. Eu, fiel à missão que me trouxera ao mundo humano, encontrei minha ruína. O apelo foi tão intenso que não fui capaz de me controlar. Em meio a tantas vibrações nefandas, aquela límpida e viva manifestação da pureza me atingiu como um raio. Eu não soube como agir e invalidei minha condição de anjo.
A Luz me abandonou, não, eu A abandonei. As trevas me rechaçaram. Eu não tinha mais lugar no mundo, mas também não podia retornar a minha origem. Eu tinha que aguardara até que a epopéia humana se cumprisse. Até que o julgamento final tivesse lugar. E Ele finalmente chegou.
Trajando o negro da escuridão, eu perambulei por épocas e povos tão diversos que nenhum outro ser seria capaz de assimilar. Vivi mil vidas em uma só. Tive acesso às realizações mais prolíferas da espécie humana. Mas nenhuma delas podia me redimir, eu tinha cometido o mais execrável dos crimes. Eu conspurcara a pureza.
Minha pena? Vagar pela matéria sem poder conhecer o descanso da morte, sem sentir o ósculo do perdão, tendo que parasitar aqueles a quem deveria ter entregado a misericórdia. O anjo morreu e em seu lugar surgiu o vampiro.
Desde então minha sina é vagar atrás da próxima vítima. Depois de ter maculado minha existência com o sangue de uma inocente, deixei de por fim aos incautos que cruzavam meu caminho. Sugava-lhes a essência, mas permitia que continuassem suas desgraçadas existências. Eu não precisava matá-los para suprir minha necessidade.
A cada vítima, minha maldita condição se tornava mais pesada. Suportá-la se tornou uma provação digna dos titãs, mas enquanto eles cumprem fielmente suas missões, eu fracassei na minha. Não posso me comparar a Eles.
Seguindo esta minha maldita existência, perambulo pelas grandes avenidas ou por becos mal iluminados; por mega-cidades ou por vilarejos esquecidos à própria sorte; qualquer que seja o lugar, procuro sempre por aqueles que se tornaram nocivos à sociedade. Não sou nenhum juiz, mas sei avaliar as ações dos homens; já que tenho que imolar os miseráveis, que sejam os desprovidos de valor.
Mais uma noite e a sede aflora deixando minha alma desesperada. Meu primeiro erro culminou com o vazar do precioso liquido que mantém a vivo o corpo material dos espíritos humanos, mas não é este o elemento que me é necessário. Nunca mais verti o sangue de um ser humano. Meu “alimento” é a energia que o sangue irradia. Para sorvê-la não preciso manter nenhum contato direto com o emissor. Posso sugá-la mesmo à distância.
As vibrações me atraem até o centro da localidade onde me encontro. Apesar de não ser uma das grandes cidades dos humanos, a quantidade de pessoas, que circula pelas avenidas, é consideravelmente numerosa. Por se tratar de um centro turístico, os grupos vindos de outras cidades incham a população local.
Assim como os atrativos oferecidos despertam o interesse dos turistas, também atraem outro tipo de pessoa; pessoas que não estão interessadas em desfrutar dos atributos do lugar, mas sim se aproveitar dos incautos que perambulam pelas ruas lotadas. Eles são como parasitas que sobrevivem à custa do esforço alheio, eles são... como eu...
Não! Eu não roubo nada que possa fazer falta aos desgraçados. Mesmo as energias que sorvo, são recuperadas mais cedo ou mais tarde. Eles não morrem ao serem sugados. Sei que não minimiza minha maldição, mas não posso me comparar a eles. Eu não...
Aguardo pelo momento mais propício, pela vítima mais favorável. Estou sedento, mas não corro riscos. Preciso manter-me incógnito. As muitas variações de imitadores poderiam me causar problemas que prefiro evitar. Tolos! Utilizam o mito sobre minha existência para executarem atos escusos ou extravasar as fantasias mórbidas que alimentam seus âmagos.
Tiros! Gritos! Carros partem velozes! Freadas bruscas! Uma perseguição tem início. Meu instinto de caçador se aguça. Minha capacidade de sentir as vibrações, mesmo estando à distância, confere-me a possibilidade de seguir minha vítima sem que ela se dê conta daquilo que a aguarda.

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