sábado, 8 de setembro de 2012

          Saudações Mortais!

         Infelizmente, o terceiro capítulo do conto que eu escrevi para o Blog em primeira mão, não ficou pronto. Porém, para que o dia de hoje não passasse em branco, decidi publicar um conto que escrevi especialmente para o Concurso Assombros Juvenis, da Feira do Livro de Porto Alegre. O conto deveria ser voltado ao público adolesente e tinha de ser de terror e suspense.
         Até aí tudo certo. Foram 40 textos concorrendo, sendo que eu concorri com dois. Acontece que, ao sair o resultado do concurso, percebi que os meus textos não haviam sido selecionados. Tudo normal também, pois nem sempre ganhamos, mas quando resolvi pesquisar os ganhadores da primeira e segunda edição, descobri (coisas de bibliotecária) que as pessoas que ganharam nos dois concursos estavam, de alguma forma, ligadas a uma confraria que se reunia justamente para deliberar sobre literatura infanto-juvenil. Duas pessoas que ganharam na primeira edição também ganharam na segunda edição. Um cara que participa ativamente da confraria e que ganhou na primeira edição, foi jurado na segunda. Uma ilustradora da primeira edição teve seu conto escolhido na segunda edição. Observei que outras pessoas que fazem oficinas com o pessoal do grupo também foram escolhidas. Diante disso, enviei um e-mail para o coordenador  com todas estas informações e ele respondeu que minhas observações estavam equivocadas e desceu um rosário de explicações e justificativas para as escolhas.
         A verdade é que meus contos não foram selecionados e eu concluí que, se não fizermos parte de certos grupos, não vamos a lugar algum.
         Bem, após esta pequena explicação, segue o conto que não ganhou.



O Bracelete
     Lucinda tinha dezessete anos, era caloura do Curso de Biblioteconomia e estagiava na biblioteca pública da cidade. Logo se tornou amiga de Ariadne, que também estagiava na biblioteca. Nas horas vagas, as duas planejavam abrir uma empresa de consultoria depois que se formassem. A rotina das jovens era bem tranquila, até o Bracelete aparecer.
      Na segunda-feira, Lucinda chegou animada à biblioteca. Logo que viu Ariadne, mostrou o presente que ganhara do namorado. Era um bracelete de prata muito lindo que imitava uma serpente e bem no meio dele, havia uma pedra roxa brilhante.
      — Logo que vi o bracelete, decidi que tinha de ser meu! — Disse em tom possessivo, admirando o bracelete e assustando Ariadne, que nunca vira a amiga falar daquele jeito.
     Lucinda não parava de olhar o bracelete em seu pulso. Ele era tão perfeito e exótico que a superfície parecia estar sempre mudando, tal qual uma serpente muda de pele. Queria ir embora para admirar melhor o bracelete.
     Chegando em casa, Lucinda foi direto para o quarto, onde se deitou na cama para ver o bracelete por todos os ângulos possíveis. Como estava cansada, dormiu. Dormiu e sonhou.
     Sonhou que estava na biblioteca, no escuro. Mais a frente, um facho de luz roxa apontava para alguma coisa. Caminhou até o balcão de atendimento espantando-se quando viu que o facho de luz vinha do bracelete que ganhara. Seguiu o olhar na direção da luz que indicava o jardim de inverno. “Como é que ele veio parar aqui?” — Pensou pegando o bracelete e o colocando no pulso. Sem resposta, caminhou até a porta de saída. Quando ia abrir a porta, a pedra roxa do bracelete brilhou intensamente e uma força que não era a dela puxou seu braço na direção do jardim. Ficou apavorada. Alguma coisa segurava seu pulso com força, mas não havia nada ali! Lucinda tentou se soltar, mas não conseguiu e seguiu de arrasto até o centro do jardim. Foi obrigada a se curvar e, quando estava prestes a tocar o chão, da terra surgiu algo estranho e em decomposição, parecendo ser a mão de um cadáver que agarrou firme seu braço. Quanto mais força fazia para se soltar e recuar, mais a mão a apertava. No esforço de fugir daquela coisa, Lucinda havia desenterrado a mão e um braço em mesmo estado de decomposição.
     — Me ajude — pediu uma voz suplicante. — Por favor... liberte-me...
     Então, Lucinda viu a terra se mexendo e deduziu que o resto do corpo logo apareceria. Juntou suas forças e gritou apavorada:
     — Não! — Acordou tremendo de medo, o pesadelo fora real demais.
     No dia seguinte, Lucinda tentou esquecer o pesadelo horrível, mas sempre que se distraía, a imagem daquela coisa vinha à mente e ela não conseguia mais se concentrar. Ao término do expediente, Lucinda foi para casa e, quando a noite chegou, fez de tudo para não dormir, pois estava com medo. Porém, adormeceu sentada no sofá quando assistia à televisão e, novamente sonhou.
Estava de volta à biblioteca, seguindo os mesmos passos do pesadelo anterior. Quando o resto do corpo saiu da terra, Lucinda se desvencilhou da coisa que a agarrava e se escondeu atrás do balcão de atendimento. O silêncio reinou, mas foi quebrado por uma voz triste e lamuriosa que dizia:
Ajuda... peço ajuda para me libertar... por favor...
Encolhida atrás do balcão, Lucinda sentiu que tinha de ver o que era aquilo que suplicava. Levantou devagar e, ao ver o que estava a sua frente, colocou as mãos sobre a boca para abafar um grito de horror. Havia um homem no jardim. A visão era horrível, pois ele estava queimado dos pés a cabeça e em algumas partes onde não havia mais carne, Lucinda podia ver os ossos dele.
Me ajude — pediu estendendo os braços para a jovem. — Preciso da verdade... para ser livre e descansar em paz...
Lucinda estava aterrorizada, mas ainda assim, perguntou:
Que verdade é essa? Se libertar do quê?
— O meu tesouro — respondeu — vai me libertar...
— E onde ele está? — Indagou tentando não olhar para a criatura.
 Está em baixo do que sempre vem e sempre vai, sem parar — respondeu sumindo enquanto Lucinda mais uma vez acordava assustada.
No dia seguinte, ligou para Ariadne e pediu que ela faltasse às aulas, pois precisava contar-lhe algo terrível. Encontraram-se no parque próximo à biblioteca e, logo que a amiga chegou, Lucila contou tudo o que aconteceu. Quando o relato terminou, Ariadne disse em tom sério:
     Então a lenda do Diretor é verdade! Nós temos de ajudá-lo!
Lucinda não entendeu e Ariadne explicou. Rezava a lenda que em 1906, Victor, fundador e primeiro diretor da biblioteca, foi assassinado por Brian, um político que não admitia que as pessoas tivessem acesso à informação, porque queria dominá-las através da ignorância. Além disso, Brian era apaixonado pela noiva do diretor e, como não podia nem destruir a biblioteca, nem ficar com Elisabeth, decidiu que eliminaria a pessoa que as possuía. Sabendo que Victor estudava assuntos esotéricos com os amigos, Brian armou uma cilada para que o outro fosse acusado de bruxaria. O plano deu certo, Victor foi queimado vivo e, a noiva suicidou-se quando soube do ocorrido. Acredita-se que Victor deixou um diário relatando tudo: o início da construção da biblioteca, as sabotagens de Brian até os últimos momentos em que foi acusado de bruxaria. Lucinda ficou impressionada e deduziu que o homem do pesadelo só podia ser Victor.
     Sendo assim, as duas criaram um plano para encontrar o tesouro e libertar Victor. Mas para isso, teriam de passar a noite na biblioteca. Quando o expediente encerrou, as jovens despediram-se da bibliotecária e ficaram na calçada fingindo conversar algo importante. Logo que a bibliotecária dobrou a esquina, as duas correram para os fundos da biblioteca e, com a chave que Lucinda pegara no dia anterior, sem ninguém perceber, entraram. A biblioteca estava às escuras como nos pesadelos e Lucinda, tremendo de medo, desejou que aquilo acabasse logo. Caminharam até o balcão de atendimento e seguiram para a sessão dos periódicos.
E agora? Como vamos achar o tesouro? — Indagou Ariadne preocupada.
Eu não sei, mas o bracelete deve saber — Lucinda ergueu o pulso na altura do rosto e pediu — mostre-me o tesouro!
Então a pedra roxa brilhou intensamente dirigindo seu brilho para um lugar específico no chão perto das estantes de periódicos.
Achamos o lugar! Vou pegar as ferramentas! — Gritou Ariadne correndo até uma sala e voltando em seguida com dois pés-de-cabra. Entregou um para a amiga e começaram a remover o piso com rapidez.
Enquanto retirava a madeira, Lucinda ouviu o som de pedras rolando sobre a terra e uma voz triste dizer: “Meu tesouro... minha liberdade...” Virou-se devagar e paralisou quando viu que o corpo dos pesadelos realmente existia. Ariadne estava sentada contra a parede atônita demais para dizer ou fazer alguma coisa. O corpo avançava lentamente para elas e então Lucinda gritou para a amiga:
Esqueça ele! Vamos terminar o que começamos!
Voltaram ao trabalho com rapidez, sem pensar no monstro que se aproximava. Ao retirar todo o piso, encontraram uma caixa pesada de madeira. Juntas, puseram a caixa sobre uma mesa e, com o auxílio dos pés-de-cabra, abriram-na com facilidade. Elas estavam tão preocupadas em recuperar o diário que não viram quando o monstro horrendo gradativamente voltava à forma humana e, quando Lucinda pegou o diário e se virou para o monstro, houve uma claridade tão grande na biblioteca que ela teve de fechar os olhos.
Lucinda, olha isso! — Gritou Ariadne assim que a claridade diminuiu.
Ao abrir os olhos, Lucinda ficou espantada. No lugar do monstro havia um homem bem vestido e muito elegante. Ele aproximou-se mais, mas as duas recuaram assustadas.
— Por favor, não temam. Sou eu, Victor, o diretor da biblioteca — explicou com voz calma. — Agradeço a você, Lucinda por ter me libertado e encontrado o meu tesouro, nesse diário está registrada a história da biblioteca e todas as provas de que Brian foi o autor da minha morte. Enterrei o diário neste lugar, porque sabia que um dia alguém o encontraria. Entregue o diário à bibliotecária, que saberá o que fazer.
Houve outro clarão que iluminou a biblioteca e, ao abrir os olhos, Lucinda viu uma moça muito linda perto da porta de entrada.
Victor! — Ela chamou indo ao encontro do diretor.
Elisabeth! — Victor exclamou abraçando-a. –— Enfim nos reencontramos, nossa espera finalmente acabou!
A moça afastou-se de Victor e disse para Lucinda:
Muito obrigada por ter encontrado o meu bracelete e ter nos libertado. Victor me deu na época em que estudávamos ocultismo. É um bracelete mágico que tem o poder de encontrar o que se perdeu e achar o que mais se deseja. Fique com ele, como um presente meu de gratidão — disse sorrindo gentilmente.
— Agradeço por nos trazer a paz — disse Victor sorrindo para Lucinda e Ariadne. — Entreguem o diário para a bibliotecária e serão recompensadas — abraçou Elisabeth e os dois desapareceram envoltos em uma brilhante luz azul. Finalmente a verdade foi revelada e tudo acabou bem.
No dia seguinte, Lucinda e Ariadne entregaram o diário e contaram o ocorrido à bibliotecária, que ficou radiante, pois procurava por ele há anos, através da divulgação de cartazes que ofereciam uma grande recompensa para quem encontrasse o Diário de Victor Stein.
E, como o diretor previu, as jovens ganharam ótima recompensa em dinheiro. Lucinda e Ariadne ficaram muito felizes e orgulhosas, pois além de desvendar a lenda da biblioteca, também ganharam a recompensa para poder abrir a empresa de consultoria que tanto almejavam quando estivessem formadas.


Bem, fico por aqui. Até o próximo mês.
Ósculos e amplexos,


Nenhum comentário: