segunda-feira, 18 de março de 2013

E. Q. M.


Tudo aconteceu bem rápido. Eu me lembro de estar deitado, repousando após um dia de trabalho. Não me recordo de ter sentido qualquer incômodo, talvez uma leve palpitação, uma pontada tênue, mas nada além. Foi muito estranho despertar em um lugar diferente, um quarto mal iluminado com pessoas desconhecidas me tocando, colocando um número indeterminado de aparelhos em mim... foi como despertar, não de um pesadelo, mas dentro dele.

As poucas palavras que eu ouvia, e conseguia entender, revelaram que eu havia sofrido um AVC. Procurei em minha mente o significado de tal sigla e quando o encontrei quase sofro um enfarto; ou aquelas pessoas estranhas estavam de brincadeira ou eu estava em um hospital sendo atendido após ter sofrido um acidente vascular cerebral.

O pânico se instalou em minha mente, eu não estava preparado para morrer, mas quem está? Não senti medo, foi pânico mesmo; de repente eu me vi obrigado a lutar por minha vida, eu não ia me entregar tão fácil. Se os médicos decidissem desistir, eu teria que lhes mostrar que ainda não era minha hora.

Por instinto ou conscientemente me convenci de que o melhor era me acalmar, tentar controlar minha reação e colaborar com os esforços que os médicos estavam realizando. Foi muito difícil, mas aos poucos eu consegui refrear meu pânico.

Já estava quase controlado quando o pesadelo se mostrou mais dantesco do que eu poderia imaginar. Uma dor lancinante penetrou meu cérebro numa tortura sem fim; fechei e abri os olhos mecanicamente numa sequência interminável. As lágrimas verteram sem controla, eu solucei tão alto que pensei que iria chamar a atenção dos médicos, mas eles não me deram a mínima atenção.

Ainda dominado pela dor, firmei meu olhar naquele que parecia estar coordenando os trabalhos; o pânico voltou. Onde antes eu tinha visto um corpo médico atencioso, agora eu via uma bando de alienígenas dispostos a me dissecarem atrás sei lá de que tipo de informação.

A dor que me despertou para a realidade vinha de uma agulha enorme que pendia em minha fronte, a julgar pelo tamanho da mesma, ela devia ter atingido meu cérebro sem a menor dificuldade. De repente minha vista se turvou e eu não consegui enxergar mais nada; alguns segundos depois eu soube porque; sangue, meu sangue, escorria do orifício aberto pela agulha. Meus lábios receberam o toque tépido e viscoso fazendo meu estômago embrulhar.

Os tentáculos, sim os alienígenas possuíam inúmeros tentáculos, seguravam instrumentos estranhos separando-os em uma banqueta colocada ao lado da mesa onde eu estava deitado. Tentei mover meu corpo, mas ele não obedeceu ao comando dado por minha mente; ou eu estava amarrado ou eles tinham me dopado... Ah, a agulha em minha fronte.

O som monótono de um motor me fez abrir os olhos novamente. Feliz, será que eu realmente poderia me sentir assim numa situação dessas? Bem, o fato é que eu conseguia ver, o sangue tinha parado de escorrer da abertura causada pela agulha, antes não tivesse aberto os olhos, a cena foi tão chocante que os fechei imediatamente.

Um dos alienígenas virou-se em minha direção com um instrumento ameaçador em sua destra. Os olhos eram tão grandes que mais pareciam duas calotas luzentes, não percebi a existência de pálpebras ou pelos, ele me olhava como se eu não fosse nada além de um mero objeto. Sem nada dizer; afinal eu não tinha conseguido identificar uma boca, ou qualquer outro órgão por onde ele pudesse se comunicar, colocou o instrumento em minha cabeça e o pressionou com energia.

Imediatamente o som do motor que eu ouvira voltou a ecoar na sala; ele estava perfurando meu crânio. Gritei, pelo menos foi isso que eu estava tentando fazer, mas se estava conseguindo, o alienígena não demonstrou nenhum interesse por minha reação. Indiferente ao meu terror, ele continuou a perfurar meu crânio.

O sangue voltou a jorrar impedindo-me a visão. Não precisava deste sentido para saber que eu estava sendo explorado por um bando de sádicos. O instrumento atingiu a superfície de meu cérebro causando-me uma estranha sensação de alívio. Não entendi bem o que se passou, a dor que me atormentava se foi e em seu lugar ficou apenas a sensação de um vazio gigantesco.

É claro, eles tinham suprimido alguma parte de meu cérebro, aquela que informava que eu devia sentir dor por estar sendo torturado. Eles não queriam que eu reagisse naturalmente, ou então se cansaram de meus gritos.

Depois de ter o crânio varado por um motor, outro alienígena se aproximou, observou o buraco aberto pelo instrumento perfurante, conversou com um de seus asseclas e sorriu. Desgraçados! Além de tudo ainda se divertiam com minha dor.

Em suas mãos, que eu até então não tinha observado, ele portava dois outros instrumentos. Apesar de meu estado de pânico ter se intensificado e minhas vistas estarem embaçadas, pareceu-me reconhecer aqueles instrumentos; eram pinças, ou algo semelhante. Elas forma introduzidas no buraco em meu crânio.

Cheguei a pensar que eu sentiria uma dor ainda maior, mas não, eu sentia apenas o movimento cadenciado dos instrumentos se movendo em meu cérebro. Definitivamente eles tinham cortado a parte de meu cérebro responsável pela sensação de dor.

Horas... Talvez não, mas a impressão que eu tive foi essa. Durante muito tempo senti o alienígena mover aqueles objetos no interior de meu crânio. Sempre que a mão do alienígena se afastava de mim, eu percebia uma porção escura em seu poder, ele estava retirando partes de meu cérebro!

O pânico chegou ao ápice que eu podia suportar. Minha mente se esvaeceu e meus sentido se perderam na bruma da inconsciência. Se eu estava preste a morrer, perguntei-me onde estava o túnel, onde estavam as luzes brilhantes, as pessoas que eu conhecia... Será que eu não merecia a presença reconfortante de ninguém?

Uma certeza cristalina se alojou em mim, eu não podia experimentar o mesmo que as outras pessoas porque eu não merecia viver o contato com os seres amistosos que devem estar esperando pelas almas benfazejas. Não, eu estava sendo conduzido para outro setor do mundo dos mortos. Talvez eu me deparasse com Caronte a espera para me levar além do Estige; talvez Anúbis, ou Hórus, se apresentassem querendo pesar meu coração; ou quem sabe um outro deus qualquer aguardasse minha chegada simplesmente para me informar o destino eterno que me aguardava.

As dúvidas se transformaram em angústia e o pânico em desespero. Eu não valia a pena, eu tinha desperdiçado minha vida em uma tribulação sem fim, em um sucedâneo de erros e momentos estéreis. A dor de descobrir o quanto minha existência havia sido inútil me soterrou sob uma camada de culpas. A condenação chegou antes mesmo de eu estar morto.

Um bip insistente penetrou meu centro auditivo como um convite ao despertar. Tentei abrir os olhos e desta vez não tive dificuldades em enxergar. O quarto era outro, mas os alienígenas ainda estavam por ali. O branco imaculado do ambiente fazia a luz cintilar mais viva do que eu estava habituado a perceber. Fui obrigado a cerrar os olhos para que a luminosidade não me cegasse.

Ao voltar a abrir meu olhos, a claridade tinha sido substituída por um fosco confortável. Observei as condições em que eu me encontrava e notei que estava ligado a uma estranha máquina por uma dezena de tentáculos. Os alienígenas pretendiam me torturar ainda mais. O pânico voltou a se manifestar.

Não sei por quanto tempo dormi, mas ao despertar estava me sentindo tão bem que acreditei que tudo devia ter sido um terrível pesadelo, mas não, eu ainda estava no interior da nave alienígena. O quarto ainda era o mesmo, eu ainda estava ligado à máquina estranha, o ambiente ainda era o de um hospital, mas eu sabia que não era um.

Os alienígenas voltaram. Conversavam animadamente entre si e quase não me olhavam. Tinham umas pranchetas em suas mãos, as quais olhavam e viravam para depois fazerem anotações nas folhas que elas continham. Seguraram meu pulso por alguns minutos, tocaram minha fronte, ergueram minhas pálpebras, voltaram a conversar e anotar. Um exame superficial, considerei.

Assim que eles se foram eu me perguntei quando aquele pesadelo teria fim; se é que teria um.

Um mês depois de ter sofrido o AVC eu deixava o hospital. Pode parecer fantasioso, mas ao contrário da maioria das pessoas que vivem uma EQM, a minha foi assim, um pesadelo... Uma experiência traumática que me fez ver o quanto somos tolos por nos julgarmos tão importantes.

Depois dessa EQM, tudo se tornou diferente; eu aceitei minha condição de mero elemento simbiótico deste grande organismo ao qual chamamos de universo.

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