sábado, 2 de agosto de 2008

Saúde é uma droga




A pior notícia que se pode receber de um médico é que você está bem. Então tudo deixa de fazer sentido, nada mais existe, seus sintomas são meras alucinações de uma mente extravagantemente cansada, uma forma de seu estresse clamar por socorro. Ou isso, ou na verdade se tem uma nova doença ainda desconhecida e que provavelmente não tem cura. Contudo, a hipótese de conseguir se recuperar sozinho é meramente ilustrativa, como bem sabem os brasileiros; numa nação em que a automedicação se faz um costume quase sagrado é difícil alguém visitar o médico quando não se é para dar parabéns pelo aniversário. Isto sem falar que essa notícia impede que o cidadão consiga seu atestado médico para poder ter uma semaninha de folga sem precisar descontar das férias. No entanto a notícia de que se tem algo, independentemente da gravidade, basta ter um nome feio e ininteligível por um cérebro mediano, causa o maior dos alvoroços. Não deveria, oras, não se vai ao médico para se saber o que se tem? Ótimo, você alcançou seu objetivo. Agora resta saber o procedimento da cura e pronto, problema resolvido e ainda dá para ir ao churrasco do vizinho. Médicos são criaturas completamente desprovidas de compaixão. Devem ser sádicos que têm suas necessidades satisfeitas ao ver o rosto de terceiros se distorcerem convulsionamente ao receberem a notícia de que têm pressão alta e nunca mais poderão saborear aquele torresminho às quartas. Sempre detestei médicos, a melhor notícia que ouvi da boca deles foi que eu precisava de um psiquiatra. Nunca fui ao psiquiatra, este deve ser o pior de todos, além de não nos trazer à realidade medíocre e cruel em que vivemos sem razão de ser, ainda nos diz que ela é uma invencionice de uma mente desfigurada e doentia. Piores que os médicos só seus pacientes. Há vários tipos deles: o dependente, este quer receita para tudo e todos, não acredita na homeopatia ou curas alternativas, é altamente farmacológico, e, quando vai comprar a casa própria, a primeira coisa a se pensar é se o pronto-socorro fica a mais de dois quarteirões e, mesmo quando não fica, passa as horas vagas traçando planos de fuga para o pronto socorro nos mais diversos horários: tudo para que se chegue com segurança e rapidez. Há também os saudáveis, estes são tão detestados pelos médicos quanto os dependentes. Os saudáveis o são apenas em sua mente, apesar da febre de 40 graus, apesar do sangramento intestinal recusam qualquer recurso da medicina moderna alegando que está bem ou, quando realmente estiver passando mal, que aquele chazinho que sua avozinha costumava tomar vai o curar; com estes os médicos tem trabalho dobrado, não basta curá-los, tem de convencê-los de que precisam ser curados, e haja retórica! Os menos detestados pela sociedade médica são os conformistas, eles vão ao hospital como último recurso, não questionam o tratamento e cumprem tudo à risca, a culpa por ter tomado o xarope que o filho do farmacêutico dera dias antes é tão grande que eles não se sentem nem no direito de perguntar se vão ficar bem, apenas esperam que sim. E, por fim, há os realistas. Estes sabem que nada de que sentem é fruto de seu psicológico, sabem o que os medicamentos fazem em seu organismo e não basta a eles saber o nome da doença, querem tudo: como se adquire, se ela evolue, o que fazer, o que terão de deixar de comer. Os realistas sabem que não devem se automedicar, altamente calculista e frios, eles sabem que médicos, como seres humanos soberbos, são passíveis de erros. Realistas não vêem sentido no tratamento que salva sua vida tirando a própria vida, como é o caso da proibição daquele torresminho às quartas: “Oras, se eu comer eu morro, se eu não comer eu também morro, então...”.

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