domingo, 8 de julho de 2012

Transformação

Saudações Mortais...

Antes de qualquer coisa, eu gostaria de pedir infinitas desculpas ao pessoal do Blog e aos leitores, pois infelizmente, não consegui postar no dia 8 do mês passado. Houve alguns impecilhos que realmente me afastaram da internet. Entao, mais uma vez, me perdoem por esse erro crasso e deveras delesegante. Isto não tornará mais a ocorrer.
E, para me redimir desta deselegância, posto hoje o início de uma história que eu acabei de escrever às 18h50min especialmente para o Blog Vale das Sombras.
Espero que apreciem a leitura.

            Mais uma vez, eu estava sentada em meu lugar preferido, admirando a beleza gélida da lua enquanto bebia lentamente o vinho tinto suave que trouxe comigo para a ocasião. Não havia lugar mais perfeito para meditar e filosofar sobre a vida do que o cemitério da cidade. Eu sempre vinha aqui, com meus amigos, para apreciar o silêncio da noite e conversar sobre o sentido da vida, se é que existe algum. Porém, desta vez eles não quiseram vir comigo, disseram que iriam à inauguração de uma nova casa noturna gótica e me convidaram, mas eu não estava com vontade de ficar perto de outras pessoas nessa noite. Na verdade, eu até fiquei feliz por saber que eles não ficariam por perto. Acomodei-me melhor no túmulo onde estava sentada e recostei-me na lápide fria para poder deitar minha cabeça e ver melhor o céu. Queria tanto que não houvesse o dia ou então que houvesse mais opções de “vida” na noite, pois com certeza eu trocaria o dia pela noite e, talvez, eu me tornasse alguém melhor... Mas, naquele momento, a noite infelizmente não me pertencia e, por mais que eu quisesse ficar ali sentada curtindo o silêncio, era preciso voltar para casa antes que minha família começasse a se preocupar comigo. Terminei de beber o vinho e coloquei a taça com todo cuidado no chão para não quebrá-la, pois era uma taça muito especial para mim. Minha bisavó havia me dado de aniversário alguns meses antes de ir ao encontro da “Bondosa”. Gosto de chamar a Morte assim, porque acredito que, quando ela vem nos buscar, ela realiza a maior bondade de todas ao nos carregar em seus braços afastando todos os males e sofrimentos que tínhamos.
            Respirei fundo o ar noturno e, quando me virei para frente, meu coração parou por alguns segundos. Ele estava ali, parado como uma estátua de mármore, olhando para mim. Nunca acreditei que a história do Monstro do Cemitério fosse verdade, e apesar de ser gótica, e minha vida girar sobre assuntos sombrios, achei que esse tipo de coisa fosse invenção de alguém que tinha medo da própria sombra.
            Eu estava enganada. Cresci ouvindo relatos de pessoas que juravam que havia um monstro no cemitério, que matava qualquer um que passasse por lá depois da meia-noite. Então, ninguém passava em frente aos portões de ferro depois do pôr-do-sol. Minha mãe me ameaçava com o Monstro do Cemitério quando eu a desobedecia. Dizia que, se eu continuasse malcriada, o Monstro viria à noite e me levaria embora. Triste ilusão dela, pois minha alma já pertencia às trevas e, toda a vez que ela me ameaçava, eu deseja com toda força que o Monstro me levasse para o cemitério e partilhasse o mundo dele comigo. Mas isso nunca aconteceu. E, à medida que eu crescia, a história do Monstro desaparecia nas brumas da infância. Quando o noticiário comunicava que alguém fora encontrado morto dentro do cemitério e fazia alusão ao Monstro, eu balançava a cabeça e sorria achando que tudo não passava de bobagem.
            Mas era verdade e eu o estava vendo bem diante de mim, só que ele não tinha nada a ver com um monstro, era lindo demais para ser abominável.
Ele ainda continuava olhando para mim e eu aproveitei o momento para analisá-lo melhor. Qualquer pessoa que o olhasse poderia confundi-lo com uma pessoa comum, salvo a palidez da pele e o brilho do olhar, ninguém jamais adivinharia que ele era o Monstro.
Comecei a rir sozinha. A situação toda era irônica: passei a maior parte de minha infância e adolescência desejando que a lenda fosse verdadeira e fantasiando o momento em que eu o encontraria. Como ninguém nunca mencionou suas as características, eu o visualizava como um ser alto, de pele vermelha, com asas de morcego, longos chifres e caninos afiadíssimos pronto a estraçalhar quem se aproximasse dele. Exatamente como Àquele a quem eu seguia. Mas o monstro era muito diferente. Suas feições não eram de um Demônio e sim de um homem. Seus cabelos caíam como uma cascata negra até os ombros e contrastavam com sua palidez cadavérica. Seus olhos lembravam buracos negros, puxando para si tudo o que estava por perto. Comigo não foi diferente, quando olhei para os olhos dele tudo ao meu redor sumiu. Não havia nem o tempo, nem o espaço e eu já começava a esquecer de quem eu era.
Ele estava exercendo o seu poder de atração para atacar e eu precisava ser mais forte do que ele se não quisesse terminar como as outras vítimas.
Com certa dificuldade, consegui desviar o olhar e me inclinar para o lado para pegar a taça e a garrafa, de alguma forma, eu acreditava que voltaria para casa.
Foi uma fração de segundos até eu ficar em pé, mas ele já estava na minha frente há algum tempo. Sobressaltei-me com a proximidade repentina e, instintivamente, dei um passo para trás. Ele sorriu como se achasse inútil minha atitude e disse com uma voz grave e muito baixa:
— Fugir não é uma boa opção agora, ainda mais para você.
Ele deve ter percebido que eu não entendi o que ele disse e então esclareceu:
— Não é você que sempre desejou por este momento? Não é você a jovem que nunca me temeu e que sempre quis partilhar do meu mundo?
— Como é que sabe? — Perguntei incrédula. Acho que bebi vinho demais e acabei sonhando. Aquilo era real?
Ele saltou como um gato para cima do túmulo onde eu estivera sentada e esclareceu:
— A verdade é que espero por você há muito tempo, mas eu não podia fazer nada até que você completasse 21 anos. Então eu tive de esperar... enquanto isso, eu a vigiava todas as noites quando dormia e aguardava paciente por este momento.
Ele aproximou-se mais de mim e eu pude sentir seu perfume doce amadeirado, que me deixou um pouco tonta.
— O desejo de levá-la para o meu mundo, teria de esperar até o momento certo. E esse momento chegou. Hoje estou aqui para realizar o seu desejo — anunciou aproximando-se mais de mim.
Eu deveria estar radiante pelo momento, afinal, tudo o que eu sempre quis estaria prestes a acontecer, mas não era isso que eu sentia agora. Estava começando a ficar apavorada. Eu tinha um turbilhão de pensamentos em minha mente, mas eu não conseguia raciocinar. Sempre acreditei que, se um dia isso acontecesse, eu estaria pronta e não sentiria medo.
— Sentir medo agora não vai ajudar em nada — ele disse como se isso me acalmasse.
— E se eu não quiser mais? — Perguntei dando mais alguns passos para trás.
Ele não respondeu, ficou onde estava, me observando.
Como uma criança boba, dei mais alguns passos para trás achando que conseguiria fugir, mas quando dei meia volta, ele estava de novo na minha frente. Eu não tinha como fugir.
Ele sorriu mostrando os perfeitos caninos afiados para mim e respondeu enquanto tirava a garrafa e a taça de minhas mãos e as colocava em algum lugar no chão. Só que ele fez isso em um piscar de olhos e, se eu quisesse correr não teria tempo. Com um movimento preciso, ele me segurou pela cintura e me trouxe para perto do seu corpo. Ele era tão frio que eu podia sentir o gelo de suas mãos atravessando minha blusa de lã.
— Quando se deseja algo com o coração por muito tempo, o desejo se realiza e, quando isso acontece não é permitido voltar atrás. Você me chamou, acreditou que eu existia e, a sua alma que já me pertencia de outros tempos clamou para que eu viesse buscá-la.
Enquanto ele falava, apertava mais meu corpo contra o dele e eu comecei a sentir falta de ar.
Embora eu estivesse prestes a morrer, sabia que ele estava certo. Minha bisavó havia me falado sobre isso: quando vibramos em determinada energia, naturalmente somos atraídos pelos seres dessa vibração e, se firmarmos nosso desejo de seguir nessa vibração, sempre alguém virá nos buscar. Não havia saída, por isso era muito importante ter consciência do que realmente desejávamos.
— Você... você está certo... — concordei com a voz entrecortada, pois ainda estava sem ar.
Ele sorriu vitorioso para mim e disse enquanto me pegava no colo e me deitava delicadamente sobre a lápide onde eu estivera sentada.
— Bem... sendo assim, vou concluir o que iniciou há alguns anos.
Eu não conseguia desviar o olhar dele. Ele era um assassino, mas me fascinava. Não importava o que ele fez ou quem ele matou, eu precisava estar com ele, pertencer a ele e fazer parte de seu mundo sombrio.
Então ele deitou sobre mim e acariciou meu rosto com sua mão gélida, fazendo-me encolher de frio. Sua temperatura me lembrou cubos de gelo.  A noite nem estava tão fria, mas o toque dele enregelou meu corpo inteiro.
— Não se preocupe — disse como se isso fosse me tranqüilizar — logo você não sentirá mais frio.
Ao dizer isso, ele segurou meu rosto com delicadeza e o virou para o lado esquerdo e, sem que eu tivesse tempo para me preparar psicologicamente, cravou seus caninos em meu pescoço.
A dor foi terrível. Tive a sensação de que duas agulhas grossas e afiadas haviam sido cravadas em meu pescoço. Em seguida, senti um líquido espesso e muito, muito frio ser injetado espalhando-se rapidamente em minha circulação sanguínea. Meu corpo estava congelando e eu não podia fazer nada pois estava fraca demais para tentar empurrá-lo para longe de mim. Além disso, eu ficava mais debilitada a cada vez que eu sentia meu sangue ser drenado por ele. A sensação de tontura, fraqueza, falta de ar e dor de cabeça aumentavam vertiginosamente e eu desejei com as poucas forças que ainda  que aquilo acabasse logo.
Quando pensei que iria morrer, ele afastou os caninos do meu pescoço e ficou me olhando por alguns segundos. Olhar para ele com a boca manchada de sangue, o meu sangue, me deixou enjoada, mas agradeci a quem quer que fosse pelo fato da minha visão começar a turvar e eu não conseguir distinguir mais nada. Quando achei que não podia ficar pior, meu coração acelerou de tal forma que desejei ter um ataque cardíaco para encerrar de uma vez com aquele sofrimento.
Jamais pensei que a transformação fosse tão dolorosa assim.
— Está quase no fim, minha criança — ouvi a voz dele ao longe dizer. — Preciso apenas que você beba o meu veneno para poder renascer.
Eu já não me mexia mais, todo o meu corpo era feito de chumbo e eu desisti de lutar a muito tempo. Eu já começava a sentir aquela sensação reconfortante e abençoada de quando se cai na inconsciência do sono, no meu caso, da morte, para descansar.
Minha alma estava longe e eu senti vagamente um líquido espesso escorrer em minha boca e descer pela garganta, acho que era sangue, pois tinha um gosto ferroso e doce ao mesmo tempo. Devia ser o sangue dele.
Eu acostumei com a inércia e a paz do lugar para onde minha alma fora, mas algo abrupto e cruel me puxou de volta ao meu corpo, fazendo com que eu sentisse a pior dor de toda a minha vida. Meu corpo todo queimava, tinha a sensação de que seria partida ao meio. Era como se os meus ossos estivessem sendo todos esmagados ao mesmo tempo e minha pele parecia se desprender do meu corpo. Eu não respirava, eu não me movia, meu coração quase não batia mais e por que eu não morria de uma vez? Eu não conseguia mais suportar tanta dor assim. Quando tudo intensificou-se de forma insuportável, a única coisa que eu consegui pensar antes de cair na escuridão da inconsciência foi:
“A Bondosa... a paz ... a salvação...”


Até o mês que vem.







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